A tecnologia sempre atuou como transformadora da medicina. As novas descobertas intensificaram a proliferação de especialidades (mais de 100, hoje!), aceleraram o processo diagnóstico e, consequentemente, impactaram na profundidade da relação médico-paciente. São inquestionáveis os benefícios que a inovação trouxe para a saúde. É inimaginável que qualquer médico da família – comuns há algumas décadas -, por mais dedicado que fosse, pudesse ser tão preciso e eficiente nos diagnósticos e tratamentos não fosse pelo advento de novas tecnologias.
Entretanto, a medicina vive hoje um impasse. A tecnologia que tanto ajuda, também serve de muleta para muitos profissionais, que deixaram para trás as importantes habilidades daqueles clínicos gerais de antigamente. As novas descobertas somadas à pressão do sistema por aumento de produtividade – e redução de custos – têm tirado a essência da profissão que nada mais é do que ter o olhar empático voltado para o ser humano como um todo e não somente para resultados de exames.
Para se ter uma ideia do que estamos vivendo hoje em todo o mundo, um artigo do New York Times de 2013 já mostrava que, nos Estados Unidos, as consultas com médicos jovens não passam de oito minutos. E o dado mais impressionante: os profissionais costumam levar apenas 11 segundos (!) para interromper a fala do paciente sobre o seu estado geral, angústias e preocupações.
No Brasil, segundo um estudo que contempla as cidades de Ribeirão Preto, Campo Grande, Ponta Grossa, Fortaleza e o Estado da Paraíba, evidenciou que o tempo médio da consulta estava entre 7 e 8 minutos.
Ou seja, o médico não olha para, não se conecta. A interrupção acelerada é fruto da necessidade de ganhar tempo que tomou conta da profissão, ou também revela uma característica que vem tomando conta da classe?
Sem dúvida, há uma grande pressão de tempo por parte do sistema. E mais do que isso: as universidades têm ensinado cada vez mais os médicos a enxergarem doenças. Isso tem que mudar. O foco precisa ser para a saúde e para o bem-estar – físico e mental.
Em defesa dos médicos, temos que entender a duríssima vida que eles têm. Um oncologista, por exemplo chega a ter cerca de 20 mil encontros com familiares de pacientes ao longo da carreira. Imagine o custo emocional disso. Aliás, a saúde dos próprios médicos também tem sido bastante afetada. Nos EUA, um entre cada quatro deles sofre de depressão. Por lá, o universo é de 700 mil profissionais. Já no Brasil, são 400 mil.
Considerando essa complexa realidade, o fato é que, embora as novas tecnologias tenham surgido na teoria para facilitar e aperfeiçoar o trabalho médico, os dois lados estão insatisfeitos.
Mas, como é possível usar a inovação a favor, inclusive, de uma melhoria do relacionamento médico-paciente? Acredito que a resposta esteja no uso inteligente das chamadas ferramentas de comunicação síncronas (localizadas no mesmo tempo, não necessariamente no mesmo espaço – consultas presenciais, telefone, teleconsultas, etc.) e assíncronas (não no mesmo tempo – carta, e-mail, sistemas de mensageria para texto, imagens, voz ou vídeo etc.).
Ao otimizar o uso dessa miríade de canais de forma estratégica, o médico ganha tempo e, ao mesmo tempo, conquista a confiança do paciente. Um exemplo já bastante comum é o uso de canais online para conferência de exames de laboratório, troca de mensagens com o paciente pós-consulta – economizando o tempo de um retorno, para ambos -, entre outros.
É importante ressaltar que as orientações online são permitidas desde 2002, entretanto, algumas limitações são expostas. As informações de um paciente, por exemplo, podem apenas ser repassadas para outro médico se o mesmo permitir que elas possam ser utilizadas. E também o profissional da área da saúde deve ser o responsável pela discrição e sigilo das informações.
Outra tecnologia que pode – e deve – ser usada a favor é a Inteligência Artificial. Apesar de ser frequentemente apontada como possível nova ameaça para a relação médico-paciente, quando usada de forma estratégica, a IA pode contribuir em áreas específicas (Narrow AI). Simultaneamente, pode gerar para os profissionais uma economia de tempo, que poderá ser revertida em maior proximidade na relação médico-paciente.
Independentemente das inovações que surgem a cada dia, o urgente é restabelecer a essência do trabalho de quem escolhe a saúde como profissão. Para isso, o sistema como um todo precisa contribuir. Nenhuma tecnologia jamais substituirá as relações humanas e tudo que elas constroem para o estudo – e o estado clínico – de um paciente.
Jimmy Cygler é presidente institucional da Proxismed, empresa especializada em jornada de relacionamento em saúde. Foi durante 13 anos professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) em disciplinas relacionadas à gestão de relacionamento com clientes