Mutações em câncer de pulmão são destaque no maior congresso mundial sobre o tema

Um estudo brasileiro que promete identificar melhor os genes que causam câncer de pulmão e, assim, facilitar o tratamento foi uma das pesquisas de destaque apresentadas durante o World Conference on Lung Cancer (WCLC), principal congresso mundial totalmente dedicado ao câncer de pulmão e outras doenças malignas do tórax. O evento aconteceu entre os dias 8 e 14 de setembro e reuniu mais de sete mil especialistas de cem países do mundo. Por conta da pandemia, a edição de 2021 foi virtual.

O câncer de pulmão mata aproximadamente 1,8 milhão de pessoas em todo o mundo a cada ano. Só no Brasil, são cerca de 30 mil vítimas todos os anos, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Por isso é primordial entender os mecanismos ligados ao surgimento e avanço da doença entre pacientes. O responsável pelo estudo nacional, o oncologista Carlos Gil Ferreira, líder de tumores torácicos do Grupo Oncoclínicas e presidente do Instituto Oncoclínicas, conta que foram analisados 121 pacientes brasileiros com diagnóstico de câncer de pulmão avançado do tipo adenocarcinoma. O objetivo central foi analisar a prevalência de mutações relacionadas a um gene chamado KRAS, que têm uma relação íntima com a incidência de tumores pulmonares entre tabagistas, e a presença de outras alterações genéticas que estão conectadas à incidência da doença.

“Em alguns países, até 60-70% dos tumores de pulmão são do tipo adenocarcinoma. Estimam-se que essas mutações de KRAS estejam presentes em aproximadamente 25% a 30% desses casos de adenocarcinoma de pulmão. Logo estamos falando de alterações frequentes e quase na sua totalidade ocorrendo em pacientes tabagistas” , diz Carlos Gil Ferreira, primeiro autor da pesquisa.

O médico destaca que a análise apresentada durante o congresso levou em conta a incidência da alteração no gene KRAS e sua co-existência com outros tipos de mutações genéticas somáticas (surgidas ao longo da vida e não relacionadas diretamente à hereditariedade) presentes no DNA tumoral entre os brasileiros com diagnóstico de adenocarcinoma de pulmão. Além disso, o levantamento também apresenta resultados válidos para o entendimento dos mecanismos ligados às diferentes alterações genéticas que levam ao desenvolvimento de tumores malignos.

“Nosso objetivo com esse estudo translacional foi entender a correlação dessas mutações KRAS com outras mutações coexistentes que levam ao surgimento de tumores de pulmão. A pesquisa mostra que mais de 21% das amostras válidas coletadas apresentavam alteração no gene KRAS entre pacientes com adenocarcinomas de pulmão. Pode parecer pouco quando falamos em termos percentuais, mas em valores absolutos isso significa que poderemos a partir desse entendimento beneficiar muitos pacientes a partir do uso de novas medicações que estão sendo desenvolvidas para o controle da doença – e para casos que até muito recentemente não haveria muitas possibilidades terapêuticas eficazes. Esta é, portanto, uma nova frente de conhecimento relevante no combate ao câncer e um passo importante para posterior avaliação da efetividade de novas alternativas de tratamentos”, explica Carlos Gil.

Outros especialistas reunidos virtualmente também apresentaram estudos na mesma linha do brasileiro. “Nossa abordagem terapêutica para câncer de pulmão em geral, eu acredito, será bastante diferente nos próximos 10 anos, por causa do trabalho que está sendo feito em geral aumentando a compreensão do tumor em um estágio anterior”, afirmou Anne Chiang, oncologista médica da Universidade de Yale em uma sessão.

No tratamento de câncer de pulmão, análise genômica traz contribuições essenciais

Não é possível tratar um paciente com adenocarcinoma de pulmão sem que seja feita a genotipagem (análise genômica) do material da biópsia daquele tumor, ressalta o especialista.

“Há mais de 20 tipos de adenocarcinoma e alguns deles têm tratamento específico há mais de uma década. Porém, um grande desafio permanece sobretudo no grupo de pacientes que fumam ou já fumaram, já que é entre eles que as mutações do KRAS ocorrem com mais frequência. Por se tratar de um gene complexo, testes antes tentaram a inibição genérica de proteínas ligadas ao gene mutado e que não funcionaram. Posteriormente o que se descobriu, na verdade, é que existem vários tipos de alterações – mutações específicas: G12C, G12D, G12V. Ao desvendarmos a prevalência dos diferentes subtipos de mutação no KRAS por meio da análise genômica das células tumorais podemos buscar respostas mais assertivas no controle de tumores malignos decorrentes de cada um deles de forma mais precisa e individualizada”, afirma Carlos Gil.

A exemplo disso, em março deste ano, cientistas anunciaram que após mais de quatro décadas de pesquisas conseguiram desenvolver um inibidor capaz de desativar uma das alterações no gene KRAS a partir do bloqueio da proteína G12C. Tal fato, somado ao entendimento de como essas mutações ocorrem e afetam os diferentes pacientes, começa a apontar o caminho para uma nova geração de drogas para combater tipos de câncer com altas taxas de letalidade, e com o potencial de serem resistentes às terapias padrão.

A nova droga, desenvolvida pela farmacêutica Amgen, recebeu o nome de Sotorasibe e se mostrou eficaz nos testes realizados até aqui. A medicação foi aprovada de forma prioritária pelo FDA em Março de 2021.

Até esse avanço, o oncologista do Grupo Oncoclínicas frisa que o único tratamento possível para tais casos era a quimioterapia, às vezes combinada com imunoterapia. E apesar da nova droga ainda não estar aprovada e comercializada no Brasil, existem estudos de fase 3 em andamento no país e projetos de acesso de uso compassivo e acesso expandido a esse tipo de medicamento. Além disso, outras empresas, além da pioneira Amgen, estão buscando oferecer suas próprias versões de tratamento.

“Os resultados dessas diferentes frentes de análise liderada por especialistas de todo o mundo farão certamente a diferença para uma parcela considerável de pacientes graças à oportunidade que essas conclusões trazem para o desenvolvimento de novos medicamentos, oferecendo aos subgrupos de pacientes com mutações em genes específicos alternativas de cuidado oncológico que vão além da quimioterapia e da imunoterapia”, pontua Carlos Gil.

Parte desse esforço global mencionado pelo médico acontece através Associação Internacional para o Estudo do Câncer de Pulmão (IASLC) que com sua rede de instituições e profissionais forma uma cadeia global que trabalha em conjunto para vencer os cânceres de pulmão e torácico em todo o mundo. A associação também publica o Journal of Thoracic Oncology, a principal publicação educacional e informativa para tópicos relevantes para a prevenção, detecção, diagnóstico e tratamento de todas as doenças malignas do tórax.

Imunoterapia também com avanços

Outro assunto que vem ganhando espaço entre médicos, cientistas e também em meio ao público leigo é a imunoterapia. E, neste caso, sua eficácia no tratamento do câncer de pulmão. Entre os destaques apresentados no WCLC estão os resultados dos medicamentos osimertinibe e durvalumabe, da Astrazeneca, que vem ganhando holofote por conta da vacina contra a Covid-19, mas que segue atuando no desenvolvimento de outras tecnologias também.

Dave Fredrickson, Vice-Presidente Executivo da Unidade de Negócios Oncologia, forneceu mais informações sobre isso. “Nossos dados mostram nosso compromisso em aproveitar os benefícios dessas drogas, fazendo novas combinações. Isso também nos permite alcançar mais pacientes. Nossos dados também mostram o impacto dessas drogas na prática clínica real”, comentou.

Redação

Redação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.