Impactos do ambiente no controle da infecção hospitalar

Curador: Marcelo Boeger

“A limpeza do ambiente afeta não somente a impressão do cliente, mas também o controle de pragas, o conforto olfativo, o senso de organização e deve ser alvo
de avaliação constante”. Marcelo Boeger, Consultor pela Hospitallidade Consultoria

O ambiente do cuidado é afetado não somente pela infraestrutura do edifício hospitalar, mas também pelo atendimento, pelas pessoas e pelos processos que ocorrem nas áreas comuns e unidades de internação. A comida, a roupa, a higiene e a manutenção influenciam positivamente ou negativamente na percepção de qualidade de pacientes e acompanhantes. Erros ou negligências em aspectos importantes destes processos podem acabar por afetar até o adequado controle sobre as IRAS – Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde, por meio da proliferação de vírus, fungos e bactérias que impactam não apenas na saúde de pacientes, acompanhantes e profissionais, mas também na sustentabilidade (operacional e financeira) da instituição como um todo.

Quem trata de um assunto tão importante e necessário é o Curador deste Caderno Especial de Hotelaria e Facilities: Marcelo Boeger, Consultor pela Hospitallidade Consultoria, Mestre em Planejamento Ambiental pela Universidade Ibero-Americana, Mestre em Gestão da Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi, Coordenador e Professor do curso de especialização em Hotelaria e Facilities do Hospital Israelita Albert Einstein e Professor convidado nos cursos de MBA em Gestão em Saúde e Controle de Infecção Hospitalar (CCIH-Med), além de Professor da Fundação Unimed e presidente da SLAH – Sociedade Latino-Americana de Hotelaria.

Além de contar com seu amplo artigo, entrevistamos um renomado infectologista, Dr. Marcelo Carneiro, coordenador científico da ABIH – Associação Brasileira dos Profissionais em Controle de Infecções e Epidemiologia Hospitalar, que aborda o assunto a partir da perspectiva do SCIH – Serviço de Controle de Infecção Hospitalar.

Convidamos também Roberto Farias, especialista em lavanderia hospitalar, para tratar da questão do processamento de roupas. Além disso, apresentamos o novo Manual do selo de Qualificação da ONA, dando destaque aos pontos coincidentes que tratam do ambiente ao redor do paciente e as responsabilidades e melhores práticas da área de hotelaria e facilities hospitalar.

A ideia é propor visões sobre os desafios e novos cenários para o setor de hotelaria e facilities, que vem se reestruturando nos últimos anos e ocupando um importante espaço dentro das instituições de saúde.

O que mais afeta a hospedagem em um hospital?

Há alguns anos, quando atuava na comissão científica de um importante congresso de hotelaria em São Paulo, convidamos o saudoso Prof. Dr. Alexandre Adler, que aceitou prontamente, para proferir a palestra de abertura do evento. De maneira bastante provocativa, ele iniciou sua apresentação com a seguinte pergunta: “O que existe em comum entre presídios, ‘hospícios’, zoológicos e hospitais?”

Muitos ofereceram respostas, desde “pessoas” e “hospedagem” até a interessante “formigas”. Todas estavam corretas, mas não eram exclusivas destes tipos de empreendimentos. O palestrante disse que se estas fossem respostas corretas, ele teria incluído hotéis e outros exemplos na lista.

Depois de muitas tentativas, ele respondeu: o confinamento. E, de verdade, o confinamento afeta toda a hospedagem a qual o cliente será submetido. A arquitetura das instalações é fundamental para uma operação eficiente, mas, quando não é sensível às necessidades dos clientes, pode afetar a hospedagem a que o paciente é submetido durante sua internação. De fato, influencia em todo o ambiente do cuidado.

Assim como nos demais empreendimentos citados, o sujeito a quem se destina a hospedagem necessita estar presente – ainda que não dependa de seu desejo – e deve seguir as rotinas previamente estabelecidas.

Claro que ele tem demandas socioambientais, reconhecidas pela própria OMS, que afirma que a saúde é o equilíbrio entre as demandas físicas, emocionais, espirituais e socioambientais e não a ausência de uma doença. Mas ficar confinado no mesmo ambiente, por melhor que seja, sempre será um desafio aos gestores e aos clientes, que testarão a consistência dos serviços e a qualidade das instalações que vivenciaram durante o período de internação.

Tempo de permanência

Em hospitais, grande parte das atividades assistenciais giram em torno do paciente dentro da própria unidade de internação. Apesar da tendência de desospitalização (com o TMP – tempo médio de permanência caindo ano a ano de forma bastante sutil), no Brasil, em hospitais privados, o paciente fica em torno de 4,13 dias internado, segundo dados do Observatório da Anahp 2019. Para ser mais exato, 61,46% ficam internados de 3,6 a 4,9 dias. Segundo a publicação, 25% dos hospitais associados tem a média de permanência entre 5,5 e 8 dias. Isso varia conforme a faixa etária. Por exemplo, pacientes acima de 85 anos ficam, em média, 8,3 dias – mais que o dobro apresentado na faixa entre 45 a 59 anos (3,45 dias).

A constatação de que a área de Hotelaria e Facilities é responsável por algo como 40% a 50% do tempo do leito represado entre a saída de um paciente e a entrada de outro (o que chamamos de indicador de setup), considerando tempo de intervenção de manutenção, higiene e rouparia, praticamente obriga os gestores a desenvolver processos mais robustos que respondam à eficiência pretendida, para um giro de leito adequado.

Rotina

Por muitos anos, o ambiente não foi um ponto de atenção tão relevante na área hospitalar, mas, a partir de 2012, o próprio CDC – Centers for Disease Control and Prevention (uma significativa agência governamental norte-americana) já alertava para sua importância, envolvendo a limpeza de superfícies, os riscos gerados pelo próprio ambiente que cerca o paciente e em que os serviços de apoio são executados. Destaque para a alimentação, a higiene do quarto, o fluxo de coleta de resíduos sólidos, bem como o fluxo de distribuição de roupa limpa e a coleta da roupa suja.

Rutala (2013), especialista com diversas importantes publicações, através do próprio CDC, já discutia o efeito do uso dos químicos que afetam pacientes (por meio de antibióticos) e do ambiente (ação efetiva de desinfetantes e detergentes, entre outros). Ele afirma que, pelo menos 20% dos agentes patogênicos causadores de IRAS – Infecção Relacionada à Assistência à Saúde são provenientes do próprio ambiente.

Desta forma, a existência de um relacionamento entre a área de Hotelaria e Facilities hospitalar com a equipe de controle de infecção assim como a área responsável pela Qualidade, pode afetar positivamente toda a rotina dos serviços de apoio e influenciar o cliente em dois aspectos: nos serviços que interferem diretamente na sua experiência (padrões e serviços de alimentação, higiene, rouparia e atendimento) e inúmeros e indiretos aspectos que nem mesmo eles percebem, mas aos quais estão expostos continuamente.

A literatura científica evidencia que alguns patógenos nosocomiais (por exemplo MRSA, VRE, Clostridium e Acinetobacter baumannii) são capazes de sobreviver em superfícies ambientais por dias, ou até mesmo meses.

A equipe de higiene e das áreas de apoio em geral (copeiras, auxiliares de serviços gerais, camareiras, manutenção e coletores, entre outros) necessita de capacitação constante. Esses profissionais apresentam, em geral, baixa qualificação, pois muitas vezes são contratados sem nunca ter atuado em instituições de saúde – muitas vezes, trabalhavam em empregos operacionais, na construção civil, em postos de gasolina como frentistas, como caixas de supermercado ou até mesmo na higiene de outros tipos de empresas. Quase 90% dos novos colaboradores, em média, não atuam na mesma função na área hospitalar, e aprenderão a trabalhar com base nos ensinamentos transferidos pelo próprio hospital.

Estes profissionais podem apresentar uma baixa taxa de retenção de conhecimento nas capacitações, o que, quando associada às taxas altas de absenteísmo e turnover, afeta os resultados da instituição.

O Prof. Adler, durante a palestra mencionada no início deste texto, ainda perguntou à plateia presente visando sensibilizar e gerar empatia: “Alguém escolheria como uma opção de carreira atuar na higiene de áreas insalubres ou na área suja de uma lavanderia hospitalar se tivesse outra opção?”

Infelizmente, na maior parte das vezes, não é uma escolha, mas a única oportunidade de emprego. E, assim, a pessoa se submete a salários baixos e a atividades operacionais que exigem grande esforço físico e conhecimento técnico. Por este motivo, as ações dos gestores são tão importantes para gerar senso de pertencimento a uma equipe multidisciplinar e senso de contribuição e utilidade às atividades que exercem, os motivando desde o uso de EPIs até as regras e protocolos destes serviços.

O trabalho desta equipe ocorre em todas as áreas do hospital, sua presença no ambiente do cliente é diária e constante. O entendimento pelo colaborador dos processos que executa deve ser bem estruturado e desenvolvido. O sucesso não ocorre por acaso. Exige trabalho de várias áreas, persistência e responsabilidade de seus gestores. A área de CCIH – Comissão de Controle de Infecção Hospitalar deve ter uma interface direta no planejamento em conjunto com as lideranças das áreas de apoio.

A limpeza do ambiente afeta não somente a impressão do cliente, mas também o controle de pragas, o conforto olfativo, o senso de organização e deve ser alvo de avaliação constante – seja a higiene da superfície ou ainda dos artigos têxteis. A criação de processos, rotinas e métodos pode resultar em métodos de trabalho mais adequados e resolutivos.

Um dos principais alinhamentos de processos existentes entre estas áreas está na padronização e homologação dos químicos usados no hospital e na lavanderia (detergentes, desinfetantes e toda a gama de produtos químicos usados pela área de higiene, lavanderia e controle de pragas), independentemente se é autogestão ou serviços terceirizados.

Muitas vezes, quando o procedimento é mal desenhado, pode-se correr o risco de o colaborador diluir errado o produto (no caso de processos não automatizados, que dependem de discernimento do operador) e torná-lo ineficiente. Também pode ocorrer o uso de produtos com validade vencida ou em frascos reutilizados de outros produtos. O correto uso de borrifadores, frascos e bombonas também é ponto de atenção neste processo. Os frascos vazios não podem ser reutilizados, portanto, devem ser substituídos por borrifadores/pulverizadores, que deverão ser identificados conforme a NR32, que exige a identificação de forma legível, (por etiqueta) com o nome do produto, composição química, sua concentração, data de envase e de validade e nome do responsável pela manipulação ou fracionamento.

São muitos detalhes que poderão causar erros operacionais. Ainda que o produto esteja diluído corretamente, mas o tempo de contato dos desinfetantes com a matéria orgânica for reduzido, resultará em uma higiene sem efeito, validada apenas pela apresentação estética da unidade pelo líder da área. Muitas vezes, o tempo pode acabar sendo abreviado, devido à pressão pelo giro do leito e até mesmo em nome do “bom atendimento” – ou seja, na tentativa de reduzir o tempo de espera do cliente na ponta.

Esses são apenas pequenos exemplos de procedimentos que podem, à primeira vista, parecer simplistas, mas que geram sérias consequências e acabam passando despercebidos, pois alguns erros são incorporados em processos operacionais e replicados por todas as equipes em diversos horários.

Falta de informação

As áreas de higiene e do controle de infecção apresentam intersecções importantes, que proporcionam um melhor controle do ambiente hospitalar na transmissão cruzada de microrganismos. Além da homologação dos produtos químicos, elas devem apoiar a gestão dos serviços de hotelaria e facilities na validação dos procedimentos operacionais. Normas e rotinas devem ser aprovadas pelo SCIH, contemplando o passo a passo da atividade, a periodicidade, a correta diluição, o uso dos produtos e até mesmo a forma e a utilização de equipamentos e utensílios dentro das instruções de trabalho de forma normatizada.

Para se atualizar sobre o tema, apesar da escassa bibliografia, existe um manual chamado “Segurança do paciente em Serviços de Saúde: limpeza e desinfecção de superfícies”, desenvolvido pela Anvisa e publicado em 2012. Recentemente foi publicado um excelente complemento ao manual, por meio da publicação “Melhores Práticas para Higiene e Limpeza em Ambiente Hospitalar”, elaborada pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, por meio da divisão de Infecção Hospitalar e escrita por autoridades no assunto.

Penso que a questão crucial da boa higiene do ambiente não está somente em eventuais lacunas na legislação, ou então, na falta de conhecimento técnico pelos gestores, mas, principalmente, na falta de informação e comunicação entre as áreas. Vejo diariamente profissionais comprometidos e engajados na hotelaria, na higiene e no controle de infecção, mas, muitas vezes, em processos frágeis e pouco eficientes.

É uma área que necessita de investimentos, atualização de parque tecnológico e capacitação de pessoas, como qualquer outra área. Isso vem mudando aos poucos e começamos a ver resultados nos hospitais com maior preocupação com a qualidade dos serviços e a segurança do paciente.

Validação do ambiente

Mesmo quando todos os processos estão descritos e os produtos homologados, também é preciso validar a higiene realizada nos artigos têxteis, assim como nas superfícies no cotidiano da limpeza das unidades e áreas. Checar a conformidade dos serviços prestados ajuda a identificar potenciais falhas para melhorar os processos.

Nenhum paciente gostaria de se deitar sobre um lençol com manchas escuras, que, mesmo provenientes de clorexidina, nitrato de prata ou hipoclorito, se pareçam com manchas de sangue ou fezes. Um enxoval tecnicamente bem processado e livre de qualquer patógeno, mas contendo manchas, irá causar constrangimento ao cliente, fazendo ele imaginar que as peças foram mal lavadas e mal processadas.

Ainda que a avaliação do paciente e do acompanhante seja com base estética, a nossa análise enquanto gestores têm de ser obrigatoriamente técnica. Claro que não devemos dar menos importância às manchas e questões estéticas ligadas à qualidade da passadoria e aspectos relacionados à resiliência do tecido, solidez de cor e pequenos furos ou rasgos. Entretanto, precisamos ter em nosso radar que uma análise técnica do resultado obtido relativa à desinfecção após a lavagem é fundamental. Isso vale também para a higiene dos ambientes.

Perguntas como as listadas a seguir, comuns nas avaliações de certificações nesta área, devem contemplar uma análise que envolve indiretamente a segurança do paciente:

– Existem fontes de contaminação que podem estar ligadas ao próprio fluxo da rota limpa?

– O caminhão que transporta a roupa limpa é adequadamente higienizado?

– Há inspeção do veículo no recebimento?

– O carrinho que transporta a roupa pelo hospital tem uma rotina de limpeza estabelecida?

– Há fluxo definido e rotas adequadas para o transporte de roupas limpas pela instituição?

– Esses critérios são adotados para seleção e avaliação do fornecedor?

– Há evidência de interação com o SCIH?

– Há mensuração do volume de relave de roupas entregues limpas em não conformidade?

– Há controles estabelecidos para determinar a eficiência da limpeza bem como a desinfecção da roupa?

A validação do ambiente deve contemplar não somente as sujidades visíveis, mas também as “sujidades invisíveis”, por meio do acompanhamento dos processos.

Por longos anos nos preocupamos mais com os riscos de contaminações em superfícies que apresentam sujidades visíveis (excrementos, secreções e deteriorações) e menos com as superfícies com sujidades invisíveis. No entanto, ambas podem provocar contaminações ao homem, ao meio e às superfícies.

Cabe a esta área não somente a boa gestão da higiene hospitalar como também a execução correta da coleta dos resíduos sólidos, da gestão do processamento e da distribuição de roupas, além do controle de pragas.

Avaliação da limpeza

Um dos instrumentos largamente utilizados nos hospitais brasileiros é o checklist. Como atividade rotineira, as lideranças imediatas da área de higiene avaliam a higienização efetuada nos principais itens existentes no ambiente listados em um documento padronizado.

Seu objetivo está normalmente mais direcionado à verificação de manutenção corretiva dos itens e à apresentação estética do que à forma com que o ambiente foi de fato higienizado.

Normalmente o colaborador que executou o serviço nem se encontra mais no local no momento da checagem e muitas vezes não existe um feedback de possíveis falhas. Validar tecnicamente a higienização poderia melhorar ainda mais o desempenho do processo.

Apesar de já existirem diversas formas de avaliação microbiológica do ambiente, como por exemplo, verificação da positividade de cultura em teste SWAB (cotonetes específicos que se destinam à coleta de amostras bacteriológicas), gel fluorescente, análise quantitativa do ATP, que está diretamente relacionada com a quantidade de células vivas no local, o processo realizado na rotina da higiene é a observação direta após a higienização do local, que objetiva não identificar patógenos (Noble-Wang, 2010).

Adaptado de um modelo desenvolvido por Carling (2008), Qutaishat (2012) afirma que as áreas que devem ser consideradas críticas no “ambiente do paciente” podem ser divididas em três, representando 18 elementos constantes na unidade de internação que devem ser alvo maior de treinamento específico. Estes itens deveriam receber maior destaque no checklist de avaliação da limpeza em relação aos demais componentes por apresentar maior risco de contato com o paciente e colaboradores e devem ser ponto constante de treinamento e reciclagens, além de poder ser escolhido como a amostra para ATP ou SWAB.

Mais cuidados

Além desses, outros pontos cegos muitas vezes passam despercebidos pelos líderes das áreas e que são de enorme relevância, por exemplo, os controles remotos que ficam nas unidades e muitas vezes são entregues pelo cliente na recepção e não entram na rota da higienização.

Outros exemplo são as cortinas presentes no ambiente, que servem como divisórias dos leitos em salas de observação, UTIs e enfermarias. Elas também devem estar no “radar” do gestor de higiene hospitalar. No Brasil, não há uma recomendação específica e, por conta disso, seguimos a mesma orientação para superfícies quanto à frequência de higienização. São trocadas quando visivelmente sujas, na limpeza terminal e junto com as superfícies horizontais durante a limpeza concorrente (diária). Também devem ser higienizadas quando o paciente permanece quinze dias no mesmo leito. Na realidade, a recomendação é que o paciente seja trocado de leito para que se proceda a higiene terminal naquele ambiente. Muitas vezes não são encaminhadas às lavanderias pelas dificuldades em processá-las. Desta forma, podem acabar sendo esquecidas. Pesquisa publicada pelo IBSP – Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente revela que uma em cada oito cortinas apresentava a bactéria MRSA após dez dias da última limpeza, e cinco em cada oito cortinas, após o décimo quarto dia da última limpeza.

Telas de tablets, flips e devices “touch screen” disponíveis nas unidades (muitas vezes de uso coletivo pela equipe multiprofissional), bem como teclados e outras tecnologias cada vez mais presentes nos hospitais e no quarto do paciente devem também estar mapeados na rotina de quem limpa.

A higiene das roupas hospitalares também merece atenção pelos gestores. Tanto a gestão da roupa limpa e o fluxo da rouparia central até a distribuição nas rouparias satélites, quanto sua coleta e processamento na lavanderia hospitalar.

Conforme Covas (2008), o processo de lavagem é uma sequência de operações ordenadas, que leva em consideração a dosagem dos produtos químicos, a ação mecânica promovida pelo batimento e esfregação das roupas nas máquinas lavadoras e a temperatura e o tempo de contato entre essas variáveis. O perfeito balanceamento entre esses fatores é o que define a qualidade e o resultado da lavagem.

Nesta mesma obra, a autora apresenta um estudo realizado com o objetivo de estudar a flora bacteriana durante o processamento da roupa hospitalar. A amostra, acompanhada pela própria autora, continha microrganismos identificados como bastonetes gram-negativos – principalmente enterobactérias (salmonella e E.Coli), Pseudomonas sp., Staphylococcus sp. e fungos.

Após todas as etapas de lavagem, a análise em laboratório demonstrava a redução de 99% da população microbiana quando utilizados os processos no melhor tempo de lavagem e produtos adequados para desinfecção.

Análises deste tipo não costumam ser realizadas no cotidiano,  mas revelam informações importantes se, de fato, as roupas que estão sendo entregues para o hospital estão livres dos patógenos. A análise da água, a escolha certa dos produtos químicos, o tempo da execução de cada ciclo e a execução da atividade em si devem seguir processos específicos para garantir a qualidade da lavagem e a assepsia da roupa. Até a higiene da própria máquina de lavar a roupa pode se tornar um risco quando não realizada corretamente.

Um olhar mais atento para o ambiente

Obras

Os hospitais estão constantemente em obras e reformas. Além dos odores desagradáveis gerados (tintas, verniz, colas, solventes, etc.), a sujidade aumenta consideravelmente no entorno pelo acesso de materiais, pessoas, saída de entulho e geração de material particulado.

As obras e reformas precisam de atenção especial devido ao aumento de dispersão de poeiras, que pode causar surtos de aspergilose. Para que esse risco não aconteça, é preciso fazer uma contenção do teto ao chão, evitando a passagem de poeiras por frestas, evitar que as portas dos ambientes em reforma fiquem abertas e que os resíduos de obras sejam transportados em carros fechados, evitando a exposição deles nos corredores.

O uso de tapumes, a destinação de horários para uso de elevadores e a técnica de molhar o entulho para reduzir o material particulado são ações que devem ser verificadas e cobradas das equipes responsáveis.

Flores

Outro aspecto que pode parecer inofensivo à primeira vista é o hábito de presentear o paciente com flores e plantas. O acesso de flores naturais (especialmente colocadas em vasos com água) deveria ser controlado e, no caso de pacientes imunossuprimidos, proibido.

Além da questão alérgica (a pólens, por exemplo), pode haver atração por insetos e, inclusive, existe na literatura especializada a descrição de casos de transmissão do fungo aspergillus em unidades de transplantes.

Mesmo em vasos de terra, a umidade e a presença de material orgânico em decomposição podem favorecer o crescimento de bactérias e fungos.

Ar-condicionado

Além de fundamental para o bem-estar, o ar-condicionado representa um gasto operacional enorme em meios de hospedagem em geral e instalações malfeitas. Falta de boa manutenção e de gestão pode gerar riscos diretos à organização e à segurança do paciente. Não estamos falando aqui “apenas” da troca regular de filtros ou da higienização dos equipamentos. Além do risco de aumento de casos de infecção hospitalar, podemos ter um olhar mais amplo sobre o risco da segurança do paciente em relação a uma série de fatores, inclusive de incêndio. A quantidade de incêndios e princípios de incêndio ocorridos somente neste ano em hospitais brasileiros originada em aparelhos de ar-condicionado é alarmante.

Nos hospitais norte-americanos, há uma média de duas mortes por ano de pacientes provocadas por incêndio (Araki, F. INBEC, 2019). No Brasil, conseguimos ter uma média bem superior a esta, olhando tanto para um único estado isoladamente quanto para uma grande metrópole.

Muitos focos de incêndio tiveram como origem um curto circuito em ar-condicionado, muitas vezes em ambientes com sinais de abandono, com instalações inadequadas, inadequações em subestações elétricas, grupos geradores, gases medicinais, entre outros elementos importantes da infraestrutura hospitalar.

Um indicador que denota bem essa falta de cuidado é a quantidade de manutenções corretivas existentes em comparação com o número de preventivas. Não é raro encontrarmos hospitais com números alarmantes de 85% de manutenções corretivas. Ou seja, a equipe existe para resolver problemas que poderiam não existir – com custos de parada de equipamentos e morosidade nos procedimentos,  gerando até gargalos em processos produtivos.

A premissa operacional do aparelho de ar-condicionado é a de captar ar e filtrá-lo antes de jogá-lo novamente no ambiente. O requisito mais importante deste sistema é a filtragem para obtenção da pureza do ar. Não só as bactérias, mas também os fungos têm emergido como uma das causas de comprometimento à saúde humana, principalmente em pacientes imunocomprometidos e hospitalizados com doenças graves. Além dos casos de alergia, muitos estudos demonstram a presença de fungos oportunistas, como Penicillium sp., Aspergillus sp., Cladosporium sp., Candida sp., Fusarium sp., responsáveis por inúmeras doenças.

Todas estas áreas devem ser rotineiramente higienizadas e operacionalizadas por equipe técnica. Periodicamente, estes ambientes precisam ser limpos, desde a casa de máquinas de ar-condicionado até os sistemas contaminados, de acordo com a NBR 14679, assim como as áreas internas que dão suporte à operação.

Além disso, o hospital precisa levar a sério as questões documentais, como AVCB – Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros, normas, aprovação de projetos de melhoria, laudos de inspeções técnicas, treinamentos de brigadas, rotas de fugas, planos de contingência e de catástrofes.

Uma frase emblemática nesta área, atribuída a Sutter, diz que na área de manutenção (e isso pode ser entendido para todas as áreas que são responsáveis pelo ambiente, como as de hotelaria e para todos os serviços de facilities), o raciocínio é o seguinte: “Quando vai bem, ninguém lembra que existe. Quando algo vai mal, dizem que não existe. Quando é necessário investir, dizem que não é preciso que exista. Porém, quando realmente não existe… todos concordam que deveria existir.”

Tecnologia na gestão e no controle de infecção

Equipamentos com tecnologia sem toque, como dispensadores de álcool gel automáticos, que informam quando a substância está acabando, podem colaborar para um ambiente mais seguro. O controle do abastecimento e a execução das atividades são feitos por RFID associando código de barras e QR code nas unidades ou componentes. Essa tecnologia vem sendo utilizada tanto para higiene, como para manutenção (controle da troca de filtros de ar-condicionado, por exemplo) e inspeção rotineira de segurança das áreas pelos vigilantes.

Outra inovação é o armário em centro cirúrgico que armazena e distribui uniformes e demais artigos têxteis sem manipulação. Ele é capaz de identificar cada usuário, ofertando à pessoa o tamanho certo, além de controlar as respectivas devoluções.

Já para limpeza de banheiros há sistemas de monitoramento baseados na quantidade de vezes de abertura de portas. Eles são capazes de enviar alertas em tempo real, por texto ou e-mail, para smartphones ou outros dispositivos, avisando que o local precisa de atenção. Alguns sistemas poderão verificar, ainda, maus odores, se os pisos ou balcões estão muito molhados, quantas pessoas usaram o banheiro, se o fornecimento de papel higiênico ou sabonete está baixo ou necessita de reabastecimento.

Também tem-se visto o uso do RFID aplicado ao enxoval hospitalar, que consegue, além de controlar com maior acurácia as peças, evitar seu manuseio em contagens, segregações e manipulação da roupa.

Nos últimos anos também vimos o uso de nanotecnologia aplicada a superfícies “auto desinfetantes”. Um antimicrobiano composto por nano partículas de prata e zinco é capaz de eliminar fungos e bactérias super-resistentes. Ele pode ser implantado em lençóis, macas, colchões, travesseiros e tecidos sintéticos de hospitais e clínicas, bem como em maçanetas e corrimões. Para algumas aplicações, ainda faltam mais estudos clínicos e a respectiva normatização para que se adote e utilize de forma escalonada.

O mesmo ocorre com microfibras de cobre, que podem ser utilizadas em mobiliários, roupas e até material cirúrgico. Íons positivos de cobre criam uma espécie de buracos na membrana das bactérias, as eliminando. Ou seja, o uso da nanotecnologia em enxoval e uniformes já é uma realidade na área hospitalar.

A identificação microbiana por DNA também é outro recurso já utilizado para a prevenção de surtos de origem alimentar por meio de um mapeamento, através do qual é possível identificar contaminações isoladas e comparar com um banco de dados. Com esse mapeamento, pode-se identificar a fonte real de contaminação e relacionar com doenças transmitidas por alimentos, ou constatar se houve falhas no controle preventivo e sanitário de um processo fabril.

Outra solução bem interessante nesta área é um sistema de descontaminação que utiliza a luz HINS (High-Intensity Narrow-Spectrum). Foi realizado um estudo em unidade de queimados de um hospital norte-americano, apresentando 61% de eficiência em seu uso em unidades ambulatoriais e uma eficiência de até 75% em pacientes internados. A lâmpada do quarto do paciente é substituída por luz HINS, que, além de iluminar, realiza uma contínua descontaminação do ambiente, sendo eficiente na redução de bactérias. Não temos este recurso ainda em utilização no Brasil.

O infravermelho também é uma tecnologia que evita o contato do usuário com o dispenser de álcool gel e sabonete e até mesmo com a descarga do vaso sanitário. No caso do dispenser, auxilia também na redução do desperdício. Até lixeiras podem receber a tecnologia para abrir as tampas sem qualquer contato físico.

Também existe um equipamento que emana o raio ultravioleta (tipo C), apoiando na higiene terminal das unidades. O UV-C passa através das paredes celulares de bactérias, vírus e esporos de bactérias, sendo absorvido pelo DNA, RNA e proteínas, resultando na eliminação desses seres. É mais utilizado em situações de quartos em isolamentos, já que o contágio pode ocorrer de forma aérea. Apesar de exigir a saída de pessoas do ambiente para realização do procedimento e afastamentos de mobília para que toda a área seja afetada, é muito utilizado no exterior e ainda pouco em prática no Brasil.

A lanterna de ultravioleta também tem sido utilizada como instrumento para verificar a higiene dos artigos e superfícies na validação, com a utilização da luminescência, como uma opção mais barata ao ATP (Trifosfato de adenosina).

Outra forte tendência que temos observado em alguns hospitais é o uso de IoT para associar comandos e controlar atividades e equipamentos por meio da tecnologia Zigbee. Quartos automatizados proporcionam ao paciente e à equipe assistencial a possibilidade de acender ou regular a iluminação, ligar e desligar o televisor, mudar o canal, além de controlar a temperatura do ar-condicionado por meio de uma interface touch intuitiva e de fácil acesso, através de tablet ou do próprio celular. Até a chamada de enfermagem pode ser substituída pelo device. Além de dar maior autonomia ao paciente, reduz sobremaneira o toque em interruptores pelas equipes e pode eliminar a existência dos controles de ar-condicionado e de televisor.

Mais uma tecnologia que vem sendo introduzida nos últimos anos na higiene hospitalar do ambiente é a desinfecção eletrostática, que opera por meio de um equipamento e por indução química.

Equipamentos que emanam vapor também vêm sendo utilizados em hospitais, principalmente em higiene terminal de centro cirúrgico, com bons resultados.

Tecnologia embarcada em equipamentos tradicionais de limpeza, como máquinas tripuladas e automáticas (lavadoras de piso, por exemplo) também começa a fazer parte do cenário do edifício hospitalar. Algumas soluções têm até a capacidade de operar sem motorista, repetindo os movimentos mapeados na primeira operação daquele ambiente específico. Ou seja, uma vez educada, a máquina sabe quais tarefas são esperadas e onde elas devem ser executadas, podendo ser programadas para atuar em determinados horários.

Drones para limpeza em altura e carrinhos de segurança com câmeras que enxergam no escuro (estilo rover) para segurança do entorno têm mudado até a forma de trabalho de auxiliares, que passam a atuar remotamente em uma sala de controle.

Terceirização dos serviços

Nos últimos anos, temos visto diversas empresas de facilities tradicionais entrarem na área de saúde de forma bem consistente, abarcando diversos serviços de apoio sob o mesmo contrato com capacidade de investimento e de reestruturação dos serviços, que muitas vezes se apresentam sucateados por falta de renovação por anos – pela própria falta de prioridade a esta área dada pelo hospital.

Muitas compreendem e gerenciam a terceirização de uma amálgama de serviços, como por exemplo estacionamento, portaria, ascensoristas, higiene, rouparia, nutrição e dietética e segurança patrimonial, entre tantos outros serviços da hotelaria de um hospital. Algumas delas têm em seu modelo de negócio comodatos de produtos de inovação tecnológica. Estas inovações podem estar diretamente relacionadas com a segurança do paciente e com a redução de gastos que podem ser repassados ao contrato. Para tanto, é necessário que o gestor do hospital elabore contratos e editais que sustentem essas ações e crie controles justos sobre seu desempenho ao longo do contrato.

Conforme dados do Observatório da Anahp 2019, a terceirização de serviços de facilities nas áreas de hotelaria, como lavanderia, segurança patrimonial e higiene, já representa mais da metade dos hospitais privados associados à entidade, conforme tabela a seguir.

Estas inovações podem ser alavancadas pelas empresas prestadoras de serviços com maior velocidade. Mas, ainda assim, devemos lembrar que inovar não depende obrigatoriamente de tecnologia. Há inúmeras ações que inovam e nada tem a ver com tecnologia, mas o fato de existir pessoas dando atenção ao tema, gera ideias e oferece energia para que as mudanças ocorram.

Por exemplo, alguns anos atrás, recebemos uma publicação do American Journal of Infection Control (Hobbs, M, 2016), que, por meio de uma pesquisa realizada em hospitais norte-americanos, em que participaram 6.600 pessoas, percebeu-se o incremento de 528% na adesão de higienização das mãos apenas mudando a localização do dispenser de álcool gel, que foi colocado próximo dos balcões de acesso ao hospital, no início dos corredores.
A mesma pesquisa revelou maior adesão entre adultos jovens e pessoas em grupos quando comparados com pessoas que entraram no hospital sozinhas.

O lacre numerado de porta (aquele de plástico utilizado para lacrar malas em aeroportos ou em carrinhos de emergência) pode ser usado nas portas dos quartos em vez de chaves, garantindo que os quartos limpos não terão visitas inesperadas antes do acesso do próximo cliente. A substituição das chaves pelos lacres é simples, de baixo custo e de grande resultado.

Muitas vezes, algumas mudanças pequenas podem afetar os resultados de forma surpreendente. O paciente pode estar confinado, mas, no século XXI, isso é relativo, pois ele estará conectado com tudo e com todos. Nós temos de estar prontos para oferecer o melhor e o mais seguro ambiente possível – que acomode a operação e que seja ágil e harmônico durante toda a internação.

Referências Bibliográficas

ANAHP – Observatório 2019 disponível em https://ondemand.anahp.com.br/curso/publicacao-observatorio-2019

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Segurança do paciente em serviços de saúde: limpeza e desinfecção de superfícies. Brasília: Anvisa, 2012

ARAKI, F. Apresentado na especialização em Engenharia e Manutenção Hospitalar. INBEC, 2019

BOEGER, Marcelo. Hotelaria Hospitalar. Manuais de Especialização. Coordenador Marcelo Boeger; editoras Renata Dejtiar Waksman e Olga Guilhermina Dias Farah. – Barueri, SP: Manole, 2011. (Coleção Manuais de Especialização Albert Einstein)

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Processamento de roupas hospitalares: riscos e cuidados

Recentemente, no Hospital Universitário de Bonn, na Alemanha, 13 bebês recém-nascidos que estavam internados foram infectados pela bactéria Klebsiella oxytica. Apesar de nenhum deles ter apresentado grandes complicações, foi descoberto que o foco de disseminação dos micro-organismos estava na própria lavadora de roupas da instituição.

“Roupas e enxovais hospitalares, ainda que estejam corretamente lavados, podem ser afetados por contaminações”, alerta Roberto Maia Farias, Mestre em Administração, Coordenador de Hotelaria no Hospital Regional da Unimed Fortaleza, CE, e autor de diversos livros de lavanderia e hotelaria hospitalar.

Ele explica que a lavadora tem duas zonas de processamento, uma que sempre ficará imersa na água (parte inferior nas lavadoras cilíndricas) e uma outra que fica na zona de respingo (parte superior). Neste ponto superior, poderá ocorrer o acúmulo de sujidades, que, juntas com alguns fiapos de tecidos, serão um meio de proliferação e contaminação do enxoval lavado.

“A avaliação atual, muitas vezes, é apenas sensorial e não é a ferramenta mais adequada para garantir a qualidade higiênico-sanitária do enxoval hospitalar”. Roberto Maia Farias, Coordenador de Hotelaria no Hospital Regional da Unimed Fortaleza

Em lavanderias que operam com túnel de lavagem, o sistema adota a tecnologia de filtragem e circulação de água, o que irá reduzir significativamente o consumo de água e vapor. Ainda assim, um ponto crítico adicional a ser considerado neste modelo está nas esteiras internas de transporte.

A lavanderia hospitalar é formada por pessoas que atendem outras pessoas, porém, com uma característica diferenciada: baixa imunidade orgânica, psicológica e física. A Anvisa cita, no Manual de Processamento da Roupa Hospitalar (2009), a necessidade do controle e da qualidade sanitária na lavagem do enxoval hospitalar. Porém, Farias questiona: quais? Como? E com qual frequência deve ser avaliada a qualidade sanitária do enxoval hospitalar? “A avaliação atual, muitas vezes, é apenas sensorial e não é a ferramenta mais adequada para garantir a qualidade higiênico-sanitária do enxoval hospitalar”, salienta.

Bioindicadores

O bioindicador pode ser utilizado como métrica de desempenho sanitário, permitindo ao gestor hospitalar e de lavanderia avaliar se os resultados propostos e pretendidos pelos serviços estão sendo alcançados. Estudos sobre o controle higiênico-sanitário foram realizados nos Estados Unidos e na Europa e datam da década de 1940 e 1950.

Alguns estudos recentes e pontuais foram registrados nos anos de 2000 a 2008. Na Europa, o mais importante foi apresentado em 2003 pelo RKI – Roberto Koch Institute e a European Standart. Como referencial teórico, foram utilizados os indicadores Balanced Score Card, Prêmio Nacional de Qualidade, Prêmio de Competitividade para MPEs, ONA – Organização Nacional de Acreditação, APPCC – Análise dos Pontos de Perigo e Críticos de Controle, e os Bioindicadores EN 14065:2014, European Standard – textiles – Laundry Processed Textelis.

Farias diz que a avaliação sensorial do “branco mais branco” não é suficiente para medir a qualidade sanitária do enxoval hospitalar para reúso. “Sem uma avaliação objetiva, o risco de infecção é potencializado e a negligência pode significar uma vida”, alerta.

No Brasil, são raras as publicações sobre a qualidade da lavagem por bioindicadores e que possam identificar quais os métodos de análises, os parâmetros, os pontos críticos e os pontos de controle do enxoval hospitalar na lavanderia, no processo de lavagem e na guarda em rouparias. “A ausência de literatura mais específica sobre o tema não prova a inexistência dos riscos do enxoval”, expõe Farias.

Mas afinal, quais são os indicadores que comprovam que as medidas adotadas por toda a equipe são adequadas para obtenção da desinfecção dos têxteis no processo de lavagem?

Na União Europeia, os parâmetros utilizados devem estar amparados pelas diretrizes do RKI1, que são normas de higiene para as lavanderias comerciais, hoteleiras, hospitalares, homecare e em casas de idosos e asilos. De acordo com o RKI, os têxteis hospitalares devem estar limpos e não conter micro-organismos patogênicos.

O Instituto de Pesquisa Hohenstein na Alemanha, autorizada pela RAL2, emite os certificados de qualidade e higiene na lavagem de têxteis para diversos usos, que incluem princípios RABC e baseiam-se nos regulamentos do RKI Alemão.

A RAL-GZ 992 tem cobertura completa para todas as empresas que prestam serviços de lavagem. O objetivo é garantir, de acordo com suas especificações, a segurança máxima para seus clientes. O RAL-GZ é classificado em: RAL-GZ 992/1 – para lavanderia doméstica e comercial; RAL-GZ 992/2 – para lavanderia hospitalar; RAL-GZ 992/3 – para lavanderia de industrial alimentícia; e RAL-GZ 992/4 – para lavanderia de idosos e asilos.

Para higienizar lavadoras industriais, pode-se usar hipoclorito de sódio (água sanitária) ou produto a base de peróxido de hidrogênio. Nas lavanderias industriais, Frias sugere como medida de controle as análises recomendadas pelo RKI tabela RAL-GZ 992. Segundo ele, diversos laboratórios estão habilitados para realização destes controles.

“Os fatos são esclarecedores e a prevenção pela limpeza dos equipamentos para lavar roupas é o caminho do controle higiênico-sanitário”, finaliza o especialista.

(1) www.rki.de/EN/Home/homepage_node.html

(2) Reichsausschuß für Lieferbedingungen und Gütesicherung – RAL German Institute for Quality Assurance and Certification.

Mapeamento constante é ordem quando se fala em reduzir riscos

“A área suja do serviço de lavanderia aglomera os maiores riscos. Para mitigar esse problema, os hospitais devem mapear todos os processos individualmente e, assim, organizar estratégias e protocolos”. Dr. Marcelo Carneiro, Coordenador Científico da ABIH

O ambiente hospitalar está em constante modificação de sua microbiota e esta pode ser maior ou menor dependendo do local analisado. É o que mostra Dr. Marcelo Carneiro, infectologista da CCIH – Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Santa Cruz e professor do Curso de Medicina da Universidade de Santa Cruz do Sul, RS.

“A área suja do serviço de lavanderia aglomera os maiores riscos. Unidades de emergência e UTIs também são de alto risco devido à clientela atendida. Para mitigar esse problema, os hospitais devem mapear todos os processos individualmente e, assim, organizar estratégias e protocolos”, explica.

Para o Dr. Carneiro, que também é Coordenador Científico da ABIH – Associação Brasileira de Profissionais de Controle de Infecção e Epidemiologia Hospitalar, os acompanhantes dos pacientes representam pouco risco quando saudáveis. O risco maior está justamente nos profissionais de saúde, pois a adesão à higienização das mãos não é 100%. “O hospital necessita de protocolos de condutas para cada situação de risco com educação continuada permanente”, salienta.

É fundamental que os gestores da área de Hotelaria e Facilities se preocupem em garantir um atendimento totalmente controlável e mensurável. “Tal medida considera os riscos de falhas no processo e, no caso de ocorrência de um procedimento padrão, a solução é prontamente acionada”.

Também faz parte do processo de mitigação de riscos a relação entre os gestores da área de Hotelaria e Facilities e de SCIH – Serviço de Controle de Infecção Hospitalar. Essa relação deve ser clara e objetiva, e o contrato bem delimitado com produtos a serem entregues e seguros para o paciente e instituição.

E, falando em produtos de limpeza, há probabilidade que eles deixem de fazer efeito em bactérias e vetores, como acontece com os antibióticos. Apesar de ser um risco aparentemente menor, Dr. Carneiro frisa que atenção máxima deve ser dada a essa questão. E aqui, mais uma vez, a mensuração periódica e programada faz a diferença.

A divisão de tarefas entre aquilo que é de responsabilidade da assistência e o que é da parte de higiene nem sempre é tão bem equacionada, mesmo nas áreas críticas. Este é um risco ainda a ser resolvido, na opinião do Coordenador Científico da ABIH. “O delineamento das responsabilidades e o uso de indicadores bem claros e discutidos devem ser buscados. Mensurar a qualidade do processo é crucial”, reforça.

A respeito da inclusão de novas tecnologias na área de higiene e lavanderia hospitalar, o infectologista a considera necessária para validar os processos que os seres humanos não garantem. “Nestes setores, a resistência em relação à lavagem de mãos também ocorre, mas parece ser de melhor conserto, em comparação à equipe assistencial”, observa.

Novo Manual da ONA é voltado para a gestão dos serviços de hotelaria e facilities hospitalar

O selo de qualificação inclui um padrão chamado “Controle de Infecção e Biossegurança”

A ONA – Organização Nacional de Acreditação acaba de lançar a nova edição do manual de certificação de Serviços para a Saúde – Selo de Qualificação, voltado para a área de Facilities. Ele contempla padrões de qualidade e segurança para três novos serviços: higienização, engenharia clínica e nutrição de produção e clínica.

Outro diferencial é que essa versão tem a inclusão de um novo padrão chamado “Controle de Infecção e Biossegurança”, visando a implantação de práticas seguras para a redução máxima de potenciais contaminações e a segurança dos clientes e dos profissionais.

Para os serviços já existentes, as mudanças, com relação ao manual anterior, foram relativas à ampliação da abrangência da manipulação de medicamentos para diversos tratamentos especiais, e não apenas para o tratamento oncológico; inclusão das atividades de atenção farmacêutica e dispensação de medicamentos via oral e, para dietoterapia, a inclusão de atividades relativas à assistência nutricional em domicílio e bancos de leite.

Além desses serviços, a edição atualizada traz requisitos que abarcam tanto as etapas de execução das atividades quanto as de planejamento e gerenciamento, contemplando o dimensionamento de recursos, insumos e equipamentos, sustentabilidade e eficiência operacional.

A metodologia de avaliação, por sua vez, passa a ser mais objetiva – agora, para receber o certificado, as instituições precisam atingir a pontuação mínima de 85% de conformidade por padrão.

Prestadores de Serviços

“A empresa de facilities deverá desenvolver mecanismos para entender as expectativas do cliente e o que ele necessita, para assim realizar o planejamento do serviço com foco nessas informações”. Cássia Manfredini,
Gerente de Normas e Sistemas da ONA

Segundo a Gerente de Normas e Sistemas da ONA, Cássia Manfredini, independentemente do tipo de serviço, uma nova prática desse manual é o entendimento da demanda do cliente e o seu atendimento. “A empresa de facilities deverá desenvolver mecanismos para entender as expectativas do cliente e o que ele necessita, para assim realizar o planejamento do serviço com foco nessas informações. No manual é cobrada a formalização desse processo”, explica.

Outro requisito importante e novo nessa versão é a questão da proteção à propriedade do cliente. A empresa de facilities terá de identificar o que é propriedade do cliente, como equipamentos, estrutura e informação, e adotar medidas de proteção dessa propriedade.

Higienização

Para higienização, os itens mais significativos para auxiliar os gestores de hotelaria são:

– O estabelecimento dos cronogramas de higienização de acordo com a legislação vigente, diretrizes do CCIH e interação com as áreas do hospital;

– Dimensionamento e padronização dos produtos saneantes e equipamentos segundo as características e a demanda acordada com o hospital;

– Estabelecimento de procedimentos, bem como critérios para utilização de materiais e equipamentos, conforme as diretrizes de CCIH do hospital;

– Treinamento específico para a equipe operacional de higiene que atua nas áreas críticas;

– Capacitação da liderança para acompanhamento contínuo da equipe operacional da higiene;

– Orientação da equipe operacional que atua em áreas de exposição radiológica;

– Planejamento dos recursos para atendimento das solicitações emergenciais do hospital. A empresa terceira deverá desenvolver um plano de contingência, incluindo a comunicação com o cliente; e

– Gerenciamento dos resultados do serviço baseado nas manifestações dos clientes, não conformidades e indicadores de qualidade.

Processamento de Roupas

Para os serviços de processamento de roupas, os itens mais significativos são:

– Planejamento da coleta do enxoval “sujo” nos hospitais, bem como recebimento, avaliação, pesagem, seleção, preparação do enxoval a ser processado, para execução do trabalho de forma segura;

– Monitoramento do recebimento de itens não conforme enviados com o enxoval, promovendo educação do cliente;

– Estabelecimento de áreas distintas considerando ambientes sujo e limpo com barreiras físicas;

– Definição profissional exclusivo para a área suja, devidamente treinado e acompanhado pela medicina do trabalho;

– Estabelecimento de critérios de treinamento aos colaboradores em relação à utilização dos equipamentos específicos de lavanderia, de acordo com a atividade desenvolvida como: caldeira, gerador e equipamentos do processo;

– Cumprimento das diretrizes de prevenção e controle de infecção e biossegurança para a higienização dos equipamentos, dos veículos de transporte internos (gaiolas e carrinhos) e externos (caminhão de coleta e distribuição do enxoval), bem como a utilização de EPI (Equipamento de Proteção Individual) específico para áreas suja e limpa;

– Monitoramento da qualidade da água a ser utilizada no processamento da roupa;

– Procedimentos para lavagem, secagem, dobra, armazenamento e transporte do enxoval;

– Procedimento seguro para conferência final do produto, incluindo minimamente: inspeção visual, ausência de partículas, integridade física da embalagem e a validade das informações da identificação do enxoval;

– Procedimentos para identificação, rastreabilidade, conservação e descarte do enxoval alinhado com o cliente;

– Procedimento e acompanhamento do descarte do resíduo líquido no efluente;

– Implantação de caixa coletora de fiapos e restos de tecidos antes de o resíduo ir ao efluente, reduzindo assim o risco de entupimento e transbordamento;

– Procedimento para o inventário dos enxovais; e

– Gerenciamento da evasão e danificação do enxoval.

Nutrição de produção

Para os serviços de nutrição de produção, alguns dos itens mais significativos são:

– Instalações adequadas, de acordo com a legislação vigente, considerando ambiência, climatização e/ou sistema de exaustão e ventilação, salas de esterilização, locais de armazenamento dos alimentos, equipamentos e mobiliário, para todas as etapas do processo;

– Critérios mínimos para a avaliação constante da climatização dos ambientes;

– Procedimentos para identificação, rastreabilidade, conservação e encaminhamento ou descarte apropriado de alimentos, amostras, leite humano e dietas enterais.

– Critérios para a rotulagem adequada das dietas, com base nas diretrizes de identificação do paciente;

– Procedimentos de segurança para embalagem, rotulagem e liberação do produto, com base em diretrizes específicas;

– Áreas distintas (suja e limpa) do ambiente de produção;

– Procedimento para evitar o risco de fluxo cruzado no ambiente de produção;

– Procedimentos de controle de qualidade para monitoramento do processo, do ambiente e do manipulador; e

– Procedimento para recebimento, armazenamento, higienização, desinfecção, manipulação, preparação, fracionamento, distribuição e transporte de alimentos e fórmulas nutricionais, incluindo o controle de tempo e temperatura de todas as etapas pertinentes, para a execução do trabalho de forma segura.

Adequação

Sobre se as certificadoras em geral têm facilidade para introduzir estas práticas e conseguir as adequações propostas no manual, Cássia garante que a apresentação detalhada da metodologia, incluindo o sistema de avaliação, entendimento do manual e do processo para o resultado, bem como a descrição do manual, de forma mais clara e objetiva, tornaram a metodologia mais facilmente aplicável.

Ela ressalta que as adequações necessárias nas instituições de saúde – seja de processos ou de recursos, incluindo recursos humanos – variam de acordo com a maturidade. “Mas podemos afirmar que a metodologia ONA está centrada na eficiência operacional, reforçando a qualidade e a melhoria contínua e sustentável, focando sempre na qualidade do produto ou serviço e na segurança do paciente e colaborador”, explica.

A empresa prestadora de serviços na área de facilities que buscar o Selo de Qualificação ONA deverá dedicar esforços na estruturação e gerenciamento dos seus processos, que precisam ser entendidos de ponta a ponta e considerados na definição das estruturas: gestão, operação e apoio.

Cássia diz que é perceptível o quanto a área de hotelaria nas instituições de saúde progrediu e vem desenvolvendo boas práticas no gerenciamento dos processos operacionais rotineiros, tanto com suas equipes próprias como com as empresas de facilities contratadas.

Gestão de pessoas

Considerando o alto turnover e o absenteísmo da equipe operacional, como garantir que as equipes respondam corretamente aos procedimentos técnicos exigidos pelos órgãos? Para a gerente de Normas e Sistemas da ONA, o alto turnover é um desafio não apenas para a hotelaria, mas para a instituição de saúde como um todo. “Cada instituição deve encontrar o seu caminho para manter altos padrões de qualidade e segurança, e isso também é válido para as empresas de facilities”, expõe.

Cássia destaca que uma das evoluções no processo de revisão do manual da ONA foi a inclusão de especialistas e organizações que trabalham na ponta, ou seja, que estão atuando na operação diariamente. “Lembro-me perfeitamente quando uma das especialistas dos serviços de higienização foi incisiva quanto à inclusão de requisitos que exigissem a capacitação da supervisão das equipes de higiene, que precisam acompanhar extensivamente não só a conclusão do cronograma, como também a aplicação correta das técnicas de higienização. Por isso, para todos os serviços foram incluídos requisitos operacionais voltados para a capacitação das equipes e validação dos processos”, conta.

No padrão referente à gestão de pessoas, são exigidas práticas direcionadas para:

– As necessidades de capacitação e desenvolvimento considerando as competências e as necessidades dos profissionais para o exercício das funções; e

– O planejamento e a realização de programas de capacitação e de desenvolvimento, conforme as necessidades identificadas e demanda do cliente e avaliação da eficácia das atividades de capacitação por meio do resultado do desempenho de trabalho, das informações gerenciais e manifestações dos clientes.

Cássia lembra que a metodologia ONA não se configura como fiscalizatória, e seus padrões estão embasados nas legislações como também em boas práticas, evidências de estudos científicos e, o mais importante, na experiência prática de especialistas e organizações que vivenciam diariamente os desafios dos serviços de higienização e lavanderia, sejam como clientes ou como gestores. “Na descrição dos requisitos e na realização de testes do manual, conseguimos enxergar além das exigências legislativas, sempre com foco na eficiência operacional, na qualidade e na segurança”, finaliza.

Artigo – COVID-19: Repensando os Processos de Apoio para Operação dos Serviços de Hotelaria e Facilities

Neste momento crítico que estamos passando, sugiro ao gestor que está à frente dos serviços de apoio, pensar em Processos e não em Setores.

Os setores de atendimento ao paciente COVID-19 já estão sendo repensados para poder atender esta demanda sazonal durante este período – mas a diferença na segurança dos serviços prestados, seguramente estará nos processos e não nos setores.

Para isso a visão sistêmica pelo gestor será de enorme valor. A triagem pode ter mudado de lugar, a sala de coleta e até as salas de espera, mas os processos das áreas de apoio, que estão sendo ajustados e redesenhados, seja onde for que tenham lugar, terão que ocorrer ajustados ao novo fluxo.

O hospital continua atendendo pessoas em tratamento, na quimioterapia, na hemodiálise, os traumas, as cirurgias de emergência, a maternidade entre tantos outros serviços. Ainda que as eletivas tenham sido remanejadas, o hospital precisa conviver com estas duas demandas e o que realmente poderá garantir maior segurança é um olhar para os processos independentemente do local que ele seja realizado.

Um exercício necessário está na avaliação da Estimativa de Demanda (para este paciente) X Capacidade Instalada (considerando as características mínimas para seu atendimento), que passara novamente em uma reavaliação do fluxo do paciente nos serviços existentes.

Os serviços de hotelaria em hospitais nunca foram simples, mas desde o início dos casos de Coronavírus (COVID-19) no Brasil, ganharam responsabilidades ainda maiores, pois incrementaram os riscos para o colaborador e para pacientes diante desta nova doença. Frente a isso, necessitamos revisar alguns processos importantes para que possamos apoiar na redução da transmissão dentro e fora do hospital. Apresentaremos aqui algumas medidas que devem ser avaliadas pelos gestores das áreas de hotelaria, pelas empresas de facilities contratadas e pelo representante do controle de infecção hospitalar que estão revisitando seus processos diante da pandemia.

Toda iniciativa para reduzir a circulação do vírus nos hospitais e para apoiar em “achatar a curva” para que o sistema de saúde não fique sobrecarregado e consiga atender com eficácia todos os pacientes graves, que precisam de internação ou unidade de terapia intensiva (UTI) é válida e deve ser ajustada para cada situação.

Ou seja, cada hospital deve avaliar as ideias aqui discutidas conforme suas instalações, infra estrutura, capacidade operacional e contingente existente e homologar ajustes no processo com representante do CCIH.

Uma das primeiras medidas e uma das mais básicas, seria afastar da equipe de hotelaria os colaboradores do grupo de risco. Lembrando que faz parte deste grupo recepcionistas, auxiliares de higiene, copeiras entre outros. São considerados grupo de risco, os idosos, os diabéticos, os hipertensos, aqueles que tem insuficiência renal crônica, doença respiratória crônica ou cardiovascular. Muitas vezes encontramos nesta área pessoas com este perfil.

Além disso, devemos reforçar o time de higiene com todo seu contingente,e sendo necessário considerar até eliminar férias neste período e revendo as escalas. Nosso volume de trabalho aumentou muito frente a esta nova situação e as equipes já são normalmente reduzidas. Já era desafiador em situações normais de temperatura e pressão – agora teremos que revisitar as tarefas, a insalubridade e ainda mais a motivação da equipe.  Alguns hospitais têm apresentado absenteísmo nesta área (que normalmente já era alto, historicamente próximo de 3%), atingindo desde a pandemia, quase o valor de 8% em algumas instituições.

  1. ACESSO e ÁREAS COMUNS

– Serviço de Manobrista

Em grande parte dos hospitais privados, o principal acesso do cliente é de carro. Em função da situação que vivemos, devemos ter atenção aos serviços de manobrista e a novos padrões.

Devemos estabelecer novas regras e treinar a equipe para a higienização dos artigos que tenha contato (volante, botões, maçaneta, sensor do carro) tanto antes de entrar no veículo como na entrega ao cliente, pois pode ser um paciente positivado ainda não diagnosticado.

Quando é possível o próprio paciente estacionar seu veículo, tanto quanto melhor, mesmo que tenha que se criar um novo fluxo de acesso.

Além disso a lavagem das mãos com gel alcoólico deve ser realizada antes e depois de cada carro manobrado e o uso de máscara deve ser obrigatório durante o trajeto e manobra.

– Acesso ao Pronto Socorro

Uma segregação entre pacientes suspeitos ou apresentando quadro de alguma infecção respiratória deve ser atendido em ambiente separado do Pronto Socorro para atendimento a situação regular de atendimento e emergências – que não tem relação com COVID-19.

O paciente deve ser questionado antes do acesso ao local para realização desta primeira triagem.

O balcão de atendimento do Pronto Socorro pode receber um maior distanciamento do paciente a ser atendido, visando a segurança do recepcionista. A caneta usada pelo recepcionista não deve ser compartilhada com o cliente, devendo ser de uso privado do colaborador.

As barreiras de contenção colocadas nos pisos das principais entradas devem ser retiradas para que o piso possa receber higiene de forma mais constante. As gotículas que porventura existam sobre o tapete ou piso poderão ser mais um fator de risco no acesso.

Embora muitos estejam utilizando Peróxido, aqueles que utilizam Hipoclorito de Sódio para áreas externas, devido ao seu baixo custo, devem se certificar de usar a concentração mínima de 0,5 %.

– Serviço de Ascensorista

A necessidade do Serviço de Ascensorista deve ser avaliada em função de sua criticidade. Alguns hospitais têm elevadores pequenos cujo distanciamento seria inferior a 1m e 1m e meio. Neste caso, talvez possa ajustar a sua função para restringir a quantidade de pessoas e limitar o número de pessoas simultâneas dentro do elevador. Marcas no piso do elevador considerando as distâncias necessárias podem apoiar em uma comunicação mais estruturada.

– Equipe exclusiva para Limpeza de Superfícies das áreas comuns

Assim como temos as equipes para limpeza terminal e concorrente, nesta fase crítica, podemos criar uma equipe exclusiva para Limpeza de Superfícies das áreas comuns. Esse é um dos maiores riscos de transmissão devido ao alto tempo de permanência em superfícies.

Devemos capacitar as equipes para esta tarefa e ter controles específicos para os itens de maior manuseio pelos que circulam neste ambiente e um check list deve ser criado com os principais artigos relacionados nestes ambientes, para que nada seja esquecido e instituído uma limpeza com maior frequência. No check list deve constar obrigatoriamente:

– Botões de chamada de elevador e botões interno (quando houver),

– Cadeiras de Rodas,

– Corrimões,

– Balcões de Recepção,

– Maçanetas das áreas comuns,

– Interruptores

– Rack de álcool gel em áreas comuns,

– Banheiros de áreas comuns

(Alguns hospitais têm reduzido o número de vasos sanitários e mictórios, os interditando para garantir uma entrada individual e minimizando a quantidade de itens a serem higienizados durante o período de crise).

As cadeiras da sala de espera devem ser espaçadas a uma distância segura. Todo ambiente de espera deve ser repensado sob esta ótica.

Segundo diversos estudos e publicações recentes sobre o COVID-19, este vírus consegue permanecer em superfície por até 4 dias em vidro, 5 dias em plástico, até 8 horas em alumínio, 4 dias em madeira e 48 horas em superfícies de metal.

A rota do Pronto Socorro para a sala de coleta, para as unidades de internação e UTIs devem receber especial atenção desta equipe, incluindo os ambientes da sala de espera, cadeira de rodas e a reposição do álcool gel – sempre com o colaborador da equipe em uso de seu respectivo EPI.

Alguns hospitais com grande área de circulação nas áreas não críticas de acesso, tem traçado as rotas de trajeto no piso, conduzindo os fluxos, para reduzir a quantidade de locais críticos a serem higienizados com maior periodicidade, otimizando a equipe de higiene.

Devemos repensar também a higiene das ambulâncias que chegam com pacientes. Eles deverão obedecer também a um critério de higiene terminal do ambiente do veículo antes de transportar um próximo paciente. Isso também vale para os veículos de transporte interno.

– Restrição para Visitantes e Acompanhantes

Hospitais devem repensar nas regras de acesso para visitantes e acompanhantes, considerando em primeiro lugar, o grupo de risco – que deve ser proibido.

Nas UTIs, em casos não relacionados ao coronavírus, deve ser proibido acompanhantes e limitar a visita para 1x ao dia em apenas uma pessoa sem revezamento.

Para pacientes positivados ou sob suspeita, não deve ser permitido visitas e nem acompanhantes – salvo pacientes que apresentem necessidades especiais. Neste caso, sem a possibilidade de revezamento, para reduzir e desencorajar o número de pessoas no acesso ao ambiente hospitalar.

– Radiografia e Tomografia

Aqueles hospitais que têm redundância de equipamentos de Radiografia e Tomografia, podem deixar uma das áreas para uso exclusivo de pacientes positivados ou suspeitos e outro para pacientes comuns, evitando o cruzamento de fluxos, quando possível. O mesmo vale para salas de coleta, salas de espera e todo e qualquer espaço da rota do paciente COVID-19.

  1. PACIENTE INTERNADO:

Para o Serviço de Nutrição e Dietética, os profissionais vêm utilizando material descartável nas unidades com pacientes COVID-19. Ou seja, nenhum item será reprocessado ou lavado após seu uso.

A copeira pode ter seu processo revisto não necessitando entrar no quarto para deixar a bandeja ao lado do paciente. Em muitos serviços, a mesma tem deixado na mesa de refeição, deixada propositalmente próximo ao acesso do quarto e a entrega pode ser realizada pela equipe de enfermagem, reduzindo a necessidade do uso da máscara N-95 por mais um profissional, que já se encontra em falta em algumas regiões. Mas deve ser considerado o volume de pacientes internados nesta condição para que se avalie a viabilidade operacional para cada alinhamento de processos entre as áreas.

– Resíduo Sólido

Todo resíduo oriundo do apartamento com paciente COVID-19 deve ser descartado como infectante. Inclusive os resíduos desprezados do banheiro do quarto.

Segundo a mais recente Norma Técnica da ANVISA até a data desta publicação, de 21 de março de 2020, devem ser acondicionados em sacos vermelhos com simbologia de infectante e devem ser substituídos quando atingirem 2/3 de sua capacidade.

– Concorrente e Terminal das Unidades

Na área de higiene, para equipe de concorrente e terminal no quarto, deve ser reforçado os pontos de maior manuseio e contato como maçanetas (dentro e fora), interruptores, esfigmomanômetro, controles remoto, suporte de soro, a chamada de enfermagem, a mesa de refeição, a válvula de descarga entre outros.

A) Artigos de contato direto com o paciente

  1. Chamada de enfermagem
  2. Controle remoto
  3. Mesa de refeição
  4. Criado-mudo
  5. Telefone
  6. Grade da cama
  7. Poltrona do acompanhante

B) Superfícies de banheiro

  1. Botão de descarga
  2. Barras de apoio
  3. Chamada de enfermagem
  4. Vaso sanitário
  5. Paredes ao redor do banheiro
  6. Porta e maçaneta do banheiro
  7. Pia e torneira
  8. Comadre
  9. Interruptor

C) Superfícies no acesso ao quarto

  1. Porta e Maçaneta
  2. Interruptor

Aqueles hospitais que já utilizam equipamento de UV-C, deve usar antes da higiene terminal e estender para unidades de atendimento em ambientes fechados do Pronto Socorro e nas salas de SADT.

O UV-C passa através das paredes celulares, sendo absorvido pelo DNA, RNA e proteínas resultando na eliminação do vírus.

Isso vale também para aqueles que usam equipamentos de Desinfecção por Vaporização e Aerossolização (composto de prata e peróxido) ou que usam Sistemas de Desinfecção Eletrostática com indução por Dióxido de Cloro.

Alguns hospitais de fora do país, que já enfrentam o problema há mais tempo, tem segregado as cadeiras de rodas usadas e macas após o transporte por pacientes positivados ou sob suspeita. Deixam em uma sala exclusiva (como um expurgo) e realizam a desinfecção antes de colocá-las novamente em uso, a fim de garantir um maior controle.

– Equipe de Manutenção

A higiene do ar condicionado, a troca de filtros, limpeza da caixa deve receber maior atenção das equipes nas unidades com pacientes positivados. Dado o volume, os pacientes em isolamento não ficarão somente em leitos com sistema de pressão negativa e novos equipamentos devem ser adquiridos para este fim. Periodicamente uma equipe deve limpar estes ambientes, desde a casa de máquinas de ar condicionado até os sistemas contaminados de acordo com a NBR-14679 assim como as áreas internas que dão suporte à toda operação.

– Coleta de Enxoval

Para o transporte de enxoval, não existem mudanças diferentes daquilo que já cobre a legislação. Mas deve estar atento, principalmente na rota suja, com as determinações já conhecidas de ANVISA, referente a evitar ao máximo a movimentação do enxoval sujo, evitando a disseminação de partículas, impedindo a disseminação de microorganismos naquele ambiente. Deve colocar a roupa cuidadosamente e diretamente dentro do hamper que deve ter sua capacidade obedecida e ser fechado no momento do transporte e durante todo seu trajeto.

Muitos hospitais têm utilizado roupa privativa para toda equipe de assistência, ou seja, cabe ao gestor de hotelaria considerar este aumento na quantidade de roupas privativas em circulação para que possa suprir a demanda e alinhar estas quantidades com a lavanderia para que ela se prepare para um aumento em volume.

Para o processamento de roupas, se deve seguir o mesmo processo de uso dos EPIS para os colaboradores da área suja que já funcionava nas condições da época Pré-COVID.

Tanto na higiene de superfícies e ambientes, os mesmos produtos químicos servem para estemomento, devemos estar mesmo atentos aos procedimentos, diluições, frequência etc. Preconiza-se a limpeza com detergente neutro seguida de desinfecção com solução desinfetante.

– Óbitos

No caso de ocorrer óbitos relacionado à esta doença, deve se saber que o vírus permanece ativado em fluídos corpóreos, assim como nas superfícies ambientais – que deverão ser higienizadas após a remoção do corpo – desde o leito, da maca, do necrotério e do veículo de transporte do serviço funerário.

As macas de transporte devem ser exclusivas para este fim e receber limpeza e desinfecção após cada uso.

O corpo deve ser acondicionado em saco impermeável. Após quatro horas do momento do óbito, o corpo deve ser transferido para área refrigerada. Como a maior parte dos hospitais não estão preparados para esta situação, aqueles que estão, infelizmente, com volume maior que sua estrutura, vem locando containers (câmeras mortuárias) refrigerados para atender a esta indicação.

 

Marcelo Boeger é consultor pela Hospitallidade Consultoria, é Mestre em Planejamento Ambiental pela Universidade Ibero Americana e Mestre em Gestão da Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi. Coordenador e professor de cursos de especialização em hotelaria e facilities e professor convidado nos cursos de MBA em Gestão da Saúde e em Infecção Hospitalar

Conteúdo originalmente publicado na Revista Hospitais Brasil edição 100, de novembro/dezembro de 2019. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-100-revista-hospitais-brasil

Redação

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