No interior do Pará, hospital de Barcarena zera mortalidade materna

Equipe assistencial do HMIB, referência para gestações de alto risco para 11 municípios do Baixo Tocantins

Diante de um turbilhão de notícias sobre a evolução da Covid-19 no país, vem de Barcarena uma novidade silenciosa que, aos poucos, vai criando a percepção de que é possível oferecer para a comunidade serviço público de saúde digno e eficaz.

O município paraense abriga o Hospital Materno-Infantil, para onde vai a imensa maioria de gestantes que moram em uma região composta por 11 cidades — uma área de acesso complicado que fica incrustada na floresta amazônica e rodeada por imensos rios do Baixo Tocantins.

A novidade: nos últimos 12 meses, o hospital não registrou nenhum óbito materno, melhorando o resultado de um histórico de atendimento às mulheres que já era considerado muito bom — foram duas únicas ocorrências desde o início das atividades, em 2018.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) relaciona a morte materna às complicações gestacionais que acontecem entre o parto e puerpério (o período de 42 dias após o término da gravidez).

São as mortes desencadeadas exclusivamente a partir do processo gestacional. Portanto, não têm relação com outras causas, como os acidentes e até mesmo os efeitos da Covid-19.

Mas como foi possível zerar os óbitos maternos? 

A direção da unidade não gosta de cravar termos como ‘zerar a morte materna’ porque entende que esse é um processo aberto, mutável.

“O que conseguimos foi melhorar e dar mais segurança a um processo de atendimento que preserva a saúde da mulher em um momento extremamente crítico”, pondera Joice Vaz, diretora Assistencial do Hospital Materno-Infantil.

Esse caminho envolveu a implantação de um método de trabalho — preconizado pela própria OMS — que é conhecido pelo termo Near Miss.

Trata-se de um conjunto de diretrizes e orientações dedicadas aos profissionais que, se seguidas corretamente, tendem a identificar vários tipos de complicações que podem comprometer a saúde da gestante — o método também indica o que os profissionais devem fazer diante dessas complicações.

“Quando é identificada a complicação materna, já seguimos uma recomendação pré-definida. É um método padronizado que a equipe assistencial segue à risca”, explica Mary Maia, diretora Técnica do hospital.

“Dessa forma, conseguimos impedir que ocorra uma situação de quase óbito, pois agimos na prevenção das principais causas de mortalidade materna com uma boa condução obstétrica”, ela acrescenta.

Mesmo assim, “se não for aplicada a abordagem corretamente, o protocolo Near Miss irá apontar quais condutas não foram realizadas”, reitera a diretora.

Mas qual o foco do Near Miss

Geovanny Magalhães, coordenador de Enfermagem do Materno-Infantil, afirma que há diversas complicações, tanto no parto quanto no puerpério, que representam situações de risco para a gestante.

As mais comuns são: hipertensão, pré-eclâmpsia grave e eclâmpsia, hemorragias e infecções graves, complicações no parto, sepse e abortos que precisam de uma abordagem especializada pautada em protocolos assistenciais.

Para cada complicação grave identificada na paciente, há uma medida de cuidado padrão e um indicador que mostra se o atendimento está alcançando o resultado esperado.

Entre os protocolos implementados e avaliados pelo Near Miss estão: atenção à hemorragia pós-parto, síndrome hipertensiva da gravidez, infecções maternas graves e de parto e nascimento seguro — todas consideradas pela Organização Mundial da Saúde como boas práticas assistenciais.

“Estudos e pesquisas apontam que as complicações maternas também podem estar relacionadas às dificuldades do atendimento no ambiente hospitalar. Então, com Near Miss, nós conseguimos fazer o rastreio dessas dificuldades”, explica o coordenador de Enfermagem.

Esse rastreio inclui avaliar todo o caminho percorrido pela paciente no hospital, quais procedimentos foram aplicados e se a abordagem correta no atendimento foi seguida.

“Para isso, capacitamos nossos profissionais para o atendimento às emergências obstétricas. O protocolo Near Miss permite monitorar esses atendimentos, em tempo real, 24 horas por dia”, garante Geovanny.

Em outras palavras, o Near Miss é método de trabalho que ajuda os profissionais a identificar qualquer risco que pode gerar uma complicação para a gestante. E mais: propõe ações rápidas e assertivas para cada caso, monitorando de perto a até que o risco à saúde da gestante seja superado.

A importância dos treinamentos para a equipe

Pertencente ao Governo do Estado do Pará, o Hospital Materno-Infantil de Barcarena é gerenciado pela Pró-Saúde — uma das maiores entidades filantrópicas de gestão de serviços hospitalares do país — desde o início das atividades.

O sucesso alcançado com o Near Miss é um indicador importante da sintonia que existe entre os profissionais que atuam no Materno-Infantil e o modelo de gestão. Desde o início, a aplicação de cursos e outras capacitações é uma prática interna que foi consolidada no hospital.

“Os treinamentos para identificar as complicações graves fazem parte da nossa rotina”, diz a enfermeira Obstetra Roberta Silva. “Com o Near Miss, enxergamos os caminhos da situação e sentimos mais segurança para conduzir esses atendimentos de alto risco”, acrescenta.

Mortalidade materna 

No mundo, estima-se que ocorram 600 mil mortes por ano de mulheres durante o parto ou puerpério, ou seja, um óbito a cada minuto. Cerca de 92% dessas mortes, conforme diz a OMS, estão relacionadas a causas evitáveis que podem ser diagnosticadas precocemente no pré-natal.

Em 2018, a mortalidade materna no Brasil foi de 59,1 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos. Em 2020, dados do Ministério da Saúde mostram que 996 mães morreram de causas diretamente relacionadas ao período gravídico-puerperal. Na região norte do país, dos 148 casos apontados, 68 aconteceram no Pará.

Desde quando iniciou as atividades, a taxa de mortalidade materna registrada no Hospital Materno Infantil de Barcarena é de 0,05%, muito abaixo do restante do país.

Redação

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