Os hospitais na era do videogame

O aparato é digno de um filme de ficção científica. À primeira vista, quem domina a cena é um robô de uma tonelada, dotado de quatro braços mecânicos, com pequenas pinças em suas extremidades. A máquina é chamada de Da Vinci, em homenagem ao pintor e inventor renascentista italiano Leonardo da Vinci (1452-1519). O ambiente é uma sala de cirurgia. O equipamento está em operação sob o comando de Sérgio Eduardo Alonso Araújo, cirurgião com 26 anos de experiência em aparelho digestivo. Sentado em um console semelhante a um simulador de voo, ele controla o robô por meio de um joystick.

Sobre a mesa cirúrgica, os braços mecânicos reproduzem, com precisão milimétrica, cada movimento de Araújo. A partir de um visor no “cockpit”, o médico tem acesso a imagens 3D e em alta definição, emitidas por uma câmera minúscula, introduzida no corpo do paciente. A visão do local exato do procedimento é ampliada em até 15 vezes. “A sensação é espetacular”, diz Araújo, que coordena o Programa de Cirurgia do Hospital Albert Einstein. “É como se você tivesse superpoderes”.

Minimamente invasiva, a cirurgia robótica começa a ganhar espaço no país, com diversos benefícios para pacientes, médicos e hospitais. A precisão do robô diminui o tempo de recuperação e aumenta a capacidade de novas cirurgias. Em tese, o aparelho pode dobrar a capacidade de um hospital realizar o mesmo procedimento, em comparação a uma intervenção convencional. Além disso, o leque de recursos à disposição reduz a possibilidade de erros. O sistema, por exemplo, barra pequenos tremores nas mãos dos médicos e consegue realizar movimentos em 360 graus. “É um processo refinado e muito menos cansativo para o cirurgião”, afirma Rubens Sallum, membro do corpo clínico do Hospital Sírio Libanês. É também uma vertente que tem consumido bilhões de dólares em investimentos ao redor do mundo.

De acordo com um estudo da empresa de pesquisas ReportLinker, a cirurgia robótica movimentou US$ 5,6 bilhões, globalmente, em 2016. A companhia prevê que a cifra seja de US$ 24,4 bilhões, em 2023. O mercado brasileiro está, neste momento, recebendo mais equipamentos. De uma base instalada de 12 robôs, há quatro anos, a estimativa é de que o País tenha, atualmente, entre 35 e 40 aparelhos. Hoje, considerando apenas o robô, o investimento é de R$ 5 milhões. Além desse aporte, é preciso contabilizar os gastos com manutenção, importação de insumos e a capacitação do corpo clínico.

A boa notícia é que esses equipamentos estão tanto na rede privada como na pública. O Instituto do Câncer de São Paulo e o Hospital das Clínicas de Porto Alegre estão entre os que já possuem essa tecnologia. “Estamos entrando na fase da cirurgia 4.0, com a integração do sistema robótico a conceitos como a inteligência artificial”, diz Fabrício Campolina, coordenador da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde. “Será uma espécie de Waze da cirurgia, que levará a aplicação da robótica a um novo patamar”.

O Hospital 9 de Julho, de São Paulo, é um dos centros que estão reforçando sua aposta no setor. Em 2017, o hospital desembolsou R$ 12 milhões na compra de um segundo robô e na construção de uma sala inteligente de robótica, com dois espaços disponíveis para cirurgias. Enquanto uma sala está sendo utilizada em uma operação, o outro ambiente é preparado para que possa receber, logo na sequência, um novo paciente. “A antiga estrutura nos limitava”, diz Alfonso Migliore, diretor-geral do 9 de Julho, que planeja aumentar em 35% o número de cirurgias robóticas em 2018. No ano passado, foram 827 intervenções. Para o segundo semestre, está prevista a compra de mais um equipamento.

Desde 2012, o 9 de julho já realizou mais de 2,5 mil cirurgias, sendo 65% de próstata. Em todo o mundo, a especialidade é a mais difundida na cirurgia robótica. A área foi a primeira a acumular um volume expressivo de casos que comprovam os benefícios dessa aplicação. Os riscos de incontinência urinária e de impotência, por exemplo, caem de 10% a 15%. Operado com a assistência de um robô, um paciente com câncer de próstata fica, em média, dois dias internado. Já na cirurgia aberta, o período pode variar de quatro a cinco dias.

Aos poucos, os robôs avançam em outras especialidades, como cirurgias cardíacas e de cabeça, pescoço e tórax. Com mais de 6 mil operações desde 2008, o Albert Einstein acumula mais 1,5 mil procedimentos em gastroenterologia e cerca de 1,4 mil em ginecologia. “É impressionante a evolução dos equipamentos nesses 10 anos”, diz Sidney Klajner, CEO da instituição, que assistiu com certa desconfiança à chegada da novidade. O Albert Einstein investiu R$ 46 milhões, em uma década, para comprar três robôs e estruturar o seu departamento. E agora tenta viabilizar duas novas máquinas para equipar o seu centro de treinamento e a sua unidade instalada na Vila Santa Catarina, bairro da zona sul de São Paulo, onde são realizados atendimentos de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).

BARREIRAS

Se o financiamento de uma estrutura robótica é um desafio para os hospitais, o custo de uma cirurgia nesse modelo também é uma barreira a ser vencida. Em algumas aplicações, o gasto adicional pode variar de R$ 8 mil a R$ 9 mil. Atualmente, os planos de saúde não cobrem essas operações. Mas o aumento de casos com a redução do tempo de internação e do volume de medicamentos no pós-operatório começa a se consolidar como um ponto a favor na negociação com as operadoras. “Com a maturação da tecnologia, faremos mais procedimentos, em menos tempo, e teremos um giro ainda maior nos leitos”, diz Paulo Vasconcellos Bastian, superintendente-executivo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

A instituição já investiu R$ 85 milhões para equipar suas salas de cirurgias robóticas, o que incluiu a aquisição de dois aparelhos. Agora, avalia os próximos investimentos na área. O compasso de espera do Oswaldo Cruz está diretamente ligado à expectativa no setor de que o custo desses equipamentos recue no médio prazo. Hoje, com uma fatia de 95%, a americana Intuitive domina o mercado. No entanto, a quebra de algumas das suas patentes nos próximos dois anos e a adoção crescente da cirurgia robótica começam a atrair novos fornecedores.

Para as fontes consultadas pela IstoÉ Dinheiro, esse cenário irá consolidar técnicas já disponíveis, como as cirurgias remotas, e acelerar o desenvolvimento de inovações. “Há uma tendência de miniaturização e de segmentação dos robôs em cada especialidade”, diz Sérgio Arape, gerente do Centro Cirúrgico do Hospital Sírio-Libanês. A instituição, que já investiu cerca de R$ 40 milhões na área, planeja a aquisição de um terceiro robô. E estuda a transferência de outra máquina para o hospital que o grupo prevê inaugurar, até o fim do ano, em Brasília. “Estamos analisando se é válido aguardar pelas novidades que a próxima geração trará”. O ponto-chave dessa tecnologia é a precisão do joystick para salvar vidas no videogame da vida real.

Fontes: IstoÉ Dinheiro e Abimed

Redação

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