Artigo – Judicialização na área da saúde: as especificidades do setor de OPME

A judicialização da Saúde no Brasil tem proporcionado um senso de urgência na elaboração de fundamentações técnicas, tendo como premissa a Medicina Baseada em Evidência, subsidiando a decisão dos magistrados nos processos públicos e privados. O foco da construção de evidências científicas está na segurança do paciente, qualidade da assistência prestada e na busca de opções terapêuticas que apresentam melhor custo-benefício.

Conforme dados do Ministério da Saúde, entre os anos de 2010 e 2016 a União gastou R$ 4,5 bilhões com ações judiciais. Considerando os estados e municípios, esse valor pode chegar a R$ 7 bilhões. A cada ano constata-se que os gastos na saúde seguem em uma curva crescente. Em relação ao Sistema Único de Saúde (SUS), em 2016, os dez medicamentos mais raros custaram ao Ministério da Saúde R$ 1,1 bilhão – o que representou 20% dos gastos totais.

No contexto da Saúde, além da problemática dos medicamentos de alto custo, as Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME’s) vêm ganhando um espaço considerável na judicialização, tanto na saúde pública como na suplementar. Em relação à saúde suplementar, a partir da regulamentação dos planos de saúde – determinada pela lei 9656 de 1998 e a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em 2000 –, houve um crescimento expressivo no número de ações judiciais.

Conforme dados da ANS, em 2015 foram gastos R$ 1,2 bilhão com processos judiciais. Um estudo realizado pela USP mostra que 92,4% das decisões judiciais contra planos de saúde na cidade de São Paulo favorecem o paciente. Os casos relacionados às OPME’s representam 14% do volume de processos. Analisando-os de forma detalhada, é possível perceber que 90% dos casos estão relacionados à exigência de OPME específico.

Conforme Manual de Gestão em OPME, publicado pelo Ministério da Saúde em 2016, as OPME’s são insumos utilizados na assistência à saúde e relacionados a uma intervenção médica, odontológica ou de reabilitação, diagnóstica ou terapêutica. A temática é complexa e tem múltiplos atores e interesses envolvidos que se inter-relacionam: pacientes, médicos, outros profissionais da saúde, fabricantes e fornecedores de insumos e hospitais, onde cada qual assume sua parcela de responsabilidade na cadeia de utilização.

Sob a justificativa de se garantir o direito à saúde e à vida, muitas ações ultrapassam os limites do contrato, obrigando as operadoras a pagar por procedimentos, medicamentos e atos, mesmo sem coberturas assistenciais. Junto de uma ação judicial vem também os processos relacionados a danos morais – geralmente solicitados em face à negativa da operadora. O resultado? O aumento anual dos gastos com coberturas não contratadas e indenizações.

Diante desse cenário, diferentes ações têm sido desenvolvidas por órgãos públicos. Uma delas consiste no aprimoramento de todos envolvidos com OPME. Abaixo, algumas orientações relevantes durante a análise de processos que envolvem tais produtos médicos.

  • Analisar se a OPME solicitada não está padronizada no SUS e se existem materiais tecnicamente compatíveis, que possam atender a demanda.
  • Verificar se o procedimento que contempla os materiais solicitados está incluso no Rol de Cobertura Assistencial na ANS.
  • Observar se há opções terapêuticas disponíveis no Sistema de Saúde.
  • Averiguar se o pedido é referente à nova tecnologia e se houve avaliação dessa tecnologia pelo Conitec.

É necessário também considerar potenciais conflitos de interesse, pois as indústrias de produtos médicos podem ter vantagens próprias, que vão além da questão do cuidado. Para auxiliar ainda mais no processo de análise das demandas judiciais relacionadas à saúde, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou 45 enunciados que auxiliam no respaldo das decisões – tanto da saúde suplementar quanto da pública. Eles tratam de questões como: internações psiquiátricas de pacientes com dependência química; Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT); materiais e medicamentos considerados experimentais ou sem registro Anvisa;  medicamentos destinados à pacientes com câncer; a necessidade de demonstração da ineficiência de tratamentos e medicamentos via relatórios médicos; a importância do uso de evidências para respaldar as decisões e solicitações médicas; a realização de junta médica para solucionar impasses; a importância de considerar vontade do paciente em relação aos encaminhamentos do tratamento; entre outros pontos.

Outra questão que deve ser considerada é o acompanhamento dos pacientes após o cumprimento de liminares, como também a avaliação dos produtos médicos utilizados pós-mercado. Essa avaliação deve estar focada nos custos e nos resultados clínicos (complicações, eventos adversos, re-operações, entre outros). É importante que esses casos sejam acompanhados por gestores de saúde, para que possam respaldar e auxiliar o poder judiciário na tomada de decisão, tendo como premissa fundamental a qualidade da assistência prestada.

O processo de judicialização na saúde é altamente desgastante aos pacientes e operadoras. Por isso, torna-se essencial que os impasses sejam resolvidos considerando o que é determinado pela lei. Para que isso seja possível, a justiça brasileira deve estar munida de informações. Dessa forma, as decisões tomadas pelos magistrados garantirão o atendimento correto do paciente e a saúde financeira do sistema.

Foto: Danielle Rheder

Andréa Bergamini é diretora-técnica da empresa Gestão OPME; mestre em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília; integrante do Grupo Técnico de Trabalho de Órteses, Próteses e Materiais Especiais, coordenado pelas Agência Nacional de Vigilância Sanitária e Agência Nacional de Saúde Suplementar; parte do Comitê Técnico de OPME do Fórum Latino-Americano de Defesa do Consumidor  e secretária-geral do Instituto de Transparência em Saúde (ITS)

Redação

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