Especial Análise do Setor: Artigo – Os reflexos da situação econômica na saúde

O ano de 2017 terminou e, em que pese o otimismo do governo quanto às melhorias nos sinais da economia e dos mercados, ainda temos muito chão a percorrer para recuperar a queda acumulada de 8,6% do PIB, entre o segundo semestre de 2014 e o último de 2016. Esta profunda crise, diga-se de passagem, é a mais intensa que o país tem passado desde a de 1981-83, que teve efeitos similares.

A revista The Economist, que analisa de perto as variáveis econômicas de vários países no contexto mundial, prevê um crescimento do PIB brasileiro de 0,7% em 2017, mas, segundo analistas do governo, este poderia chegar a valores próximos a 1%. Seja como for, o crescimento econômico em 2017 não será suficiente para aumentar o PIB per capita, uma vez que a população brasileira, conforme estimativas do IBGE, crescerá a valores próximos a 0,8%. No máximo, o crescimento do PIB e o da população permanecerão empatados.

Como fatos positivos, destacamos que, apesar do aumento dos preços de vários serviços essenciais, a inflação, que em 2016 foi próxima a 10%, deverá estar abaixo do piso da meta de 3% em 2017, num contexto em que as taxas de juros estão caindo e chegaram a 7.5% (o menor patamar em quatro anos). Com isso, o rendimento real dos salários tem aumentado – em torno de 6% este ano – e a balança comercial volta a registrar novos recordes. As taxas de desocupação no trimestre julho-setembro baixaram em relação ao trimestre anterior, ficando em 12,4%. Ainda assim, estão em patamares muito elevados e subiram em relação ao mesmo período de 2016, quando o valor registrado foi 11,8%.

O déficit público continua crescendo. A estimativa é que o Brasil feche 2017 com um déficit nominal de 8% do PIB, valores que somente são menores do que os da Venezuela e do Egito, num universo de 41 países, segundo estimativas da Unidade de Inteligência da The Economist. Reformas importantes, como a trabalhista, poderiam dar um novo impulso na produtividade em 2018, aumentando o nível de emprego e atraindo capitais externos. No entanto, importantes reformas como a da previdência, continuam emperradas e as estratégias de manter o apoio do Congresso ao governo têm impedido que as medidas para o controle do orçamento, através do Novo Regime Fiscal aprovado no passado, tragam os efeitos positivos esperados no controle do déficit público.

O desempenho da saúde em 2017

Como este quadro afetou o desempenho do setor saúde em 2017? Podemos avaliar este tema no gasto público com saúde e na saúde suplementar.

O desempenho do gasto público com saúde foi medido através do gasto anual acumulado com ações e serviços públicos de saúde (ASPS) entre janeiro e abril de 2017 (a última informação disponível no Sistema de Informação Orçamentária de Saúde – SIOPS do Datasus) e comparado com o gasto anual acumulado com ASPS no mesmo período de 2016. Para garantir comparabilidade, os dados de 2016 foram corrigidos pelo índice geral de preços – disponibilidade interna (IGP-DI) e, portanto, são valores reais a preços de abril de 2017. A tabela abaixo mostra os valores correspondentes.

Gastos do SUS em ASPS

Períodos Gastos da União com ASPS (em bilhões de Reais de abril/2017) Participação dos gastos com ASPS nas receitas próprias da União
Janeiro-abril 2016 31,5 10,7%
Janeiro-abril 2017 30,5 10,5%
Variação -3,2% -1,9%

 

Verifica-se que entre os períodos correspondentes de 2016 e 2017 houve uma ligeira redução (3,2%), tanto no gasto absoluto em ASPS, quanto na parcela da receita própria da União dedicada a ASPS. Embora não existam informações sobre o período maio-dezembro de 2017, bem como sobre os gastos em ASPS dos estados e municípios, pode-se dizer que os dados até então existentes indicam que o desempenho do gasto público em saúde foi aquém do esperado até abril de 2017.

No que se refere ao desempenho da saúde suplementar, observa-se entre setembro de 2016 e setembro de 2017 uma redução do número de beneficiários dos planos médico-hospitalares, de 47,9 para 47,3 milhões, registrando queda de 600.000 beneficiários. Esta redução de 1,3% ao nível nacional foi maior na região Sudeste que, por ser mais impactada pela crise no que se refere a empregos formais, teve uma diminuição de beneficiários de 2%. As maiores quedas neste período ocorreram entre os segmentos das seguradoras (-5,3%), filantropia (-5,2%), autogestão (-3,3%) e cooperativas médicas (-2,6%). O único setor que registrou variação positiva foi o de medicina de grupo (+2,4%).

Mas a pergunta de um milhão é quando esta situação irá se reverter. Pode-se dizer que entre junho e setembro de 2017, a queda no número de beneficiários foi de apenas 0,1% comparada com a de 1,3% entre setembro de 2016 e junho de 2017. Alguns setores, como as cooperativas médicas e o segmento filantrópico, tiveram crescimento positivo no número de beneficiários. Se esta tendência continua no último trimestre de 2017 e no próximo ano, é possível que o setor recupere progressivamente o número de beneficiários perdidos antes da crise.

Vale a pena ainda mencionar que, do ponto de vista financeiro, a saúde suplementar está conseguindo reverter algumas de suas tendências negativas através de recentes aumentos na receita e melhores controles da despesa. Assim, no segundo trimestre de 2017, a variação das receitas de contraprestações foi inferior à das despesas assistenciais. O segundo trimestre de 2017 foi, depois de um longo período, o primeiro no qual a variação das receitas de contraprestação superou a das receitas assistenciais. Com isso, entre o primeiro e o segundo semestre de 2017, a sinistralidade do setor baixou de 85.6% para 85.2%.

Esta gestão mais fina dos resultados não ocorreu às custas dos beneficiários. Segundo pesquisas realizada pelo IESS – Instituto de Estudos de Saúde Suplementar e pelo Ibope, o nível de satisfação dos assegurados com seus planos de saúde reduziu de 80% para 75% entre 2011 e 2015, provavelmente em função da crise, mas voltou a crescer para 80% em 2017, de acordo com pesquisa realizada nos meses de abril e maio deste ano.

Perspectivas para 2018

A saúde no Brasil poderá recuperar sua performance, tanto no SUS como na saúde suplementar, mas estará engessada, por um tempo, pela necessidade de controlar o gasto público e fazer as reformas necessárias, como a da previdência, a fiscal – para corrigir distorções e tornar mais eficiente a arrecadação de impostos –, a política – de forma a reduzir as tendências que levam o país a colocar interesses individuais de políticos e autoridades governamentais acima dos interesses coletivos –, e a administrativa, para adequar o tamanho do Estado e criar regimes de contratação e remuneração que melhorem a eficiência e a qualidade dos serviços prestados pelo setor público.

Dependerão dessas reformas os fatores que podem levar ao crescimento das receitas públicas e à melhor gestão do governo, tornando mais eficiente, eficaz e equitativo o gasto público com saúde. Também dependem delas os elementos que levarão ao crescimento do emprego, da renda e da utilização dos planos de saúde suplementar. Resta ainda agregar que tudo isso ocorrerá num contexto em que o envelhecimento da população, o crescimento das doenças crônicas e o uso de novas tecnológicas de prevenção e tratamento trarão pressões crescentes sobre o gasto.

André Medice é economista de saúde com mais de 30 anos de experiência no Brasil e 20 anos de experiência internacional em temas associados a economia e financiamento da saúde, pesquisa, desenho e negociação de políticas e reformas de saúde em países em desenvolvimento. É editor do blog Monitor de Saúde (www.monitordesaude.blogspot.com)

Matéria originalmente publicada na Revista Hospitais Brasil edição 88, de novembro/dezembro de 2017. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-88-revista-hospitais-brasil

Redação

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