Em 2019, a economia mundial estará desacelerando e seu crescimento não deverá chegar aos 3%. Por trás desta tendência estará um pior desempenho dos Estados Unidos e da China pelos efeitos negativos da guerra comercial iniciada pelo presidente norte-americano, Donald Trump. No Brasil, o cenário poderá ser pior. No início de janeiro, o Banco Mundial já havia reduzido a projeção de crescimento do PIB de 2,5% para 2,2%, em 2019, mesmo considerando um cenário otimista, no qual as reformas prometidas pelo presidente Bolsonaro serão aprovadas pelo Congresso em “céu de brigadeiro”.
Mas a realidade poderá ser mais complexa. A reforma da previdência – o principal elo para o restabelecimento do equilíbrio fiscal – é o calcanhar de Aquiles do novo governo, dada à sua urgência e à falta de tempo para negociar no curto prazo uma proposta consensual no interior do governo e entre os distintos setores da sociedade. A oposição de vários segmentos corporativos (incluindo os militares) se soma à existência de um Congresso mais fragmentado, o que poderá minar o timing político que o novo governo tem para a sua aprovação ainda no período de “lua de mel” com seus eleitores.
Outras reformas importantes, como a tributária, a abertura comercial e as privatizações são também urgentes e complexas, num contexto no qual o governo enfrentará um quadro desafiador, com grande oposição política, cenário econômico fragilizado e piora na oferta de serviços públicos. A polarização do Congresso é o reflexo da polarização da sociedade e cria dificuldades de alinhar todos em torno de um projeto nacional suprapartidário.
Os setores econômicos parecem confiar na equipe econômica liberal, reformista e bem intencionada, mas serão tempos difíceis. Afinal de contas, o Governo Bolsonaro herdou dos desgovernos petistas um enorme déficit fiscal, recessão, alta capacidade ociosa da indústria, níveis elevados de desemprego, instituições arcaicas e burocráticas que entravam a produtividade, baixo nível de confiança de investidores nacionais e internacionais e preços dos ativos deprimidos. E a situação somente não está pior porque algumas medidas tomadas pelo Governo Temer conseguiram desatar a desordem dos governos anteriores, trazendo uma tênue recuperação da economia, do nível de emprego, inflação sob controle (a de 2018 foi a mais baixa desde os anos pós-Plano Real) e juros mais baixos. Mas por todos estes motivos, será necessário muito sacrifício, engenho e arte para que a economia volte a trazer bons frutos neste e nos próximos anos.
No caso do setor Saúde, existem muitos desafios internacionais e nacionais a serem enfrentados em 2019. Como resultado dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), a cobertura universal de saúde passou a ser um compromisso de todos os países, e a população começa a cobrar dos governos e da sociedade a tarefa de cumpri-lo. No entanto, o alcance destes ODS padece de muitos desafios. Cerca de 100 milhões de pessoas estão na extrema pobreza por terem de pagar mais do que podem por serviços de saúde, e cerca de 12% da população mundial (800 milhões de pessoas) pagam mais de 10% de sua renda mensal com esses serviços. Pelo menos 50% das pessoas do planeta não têm cobertura completa dos serviços essenciais básicos de saúde.
Os custos crescentes do setor e os avanços na incorporação tecnológica levam a novos desafios corporativos. Assim, provedores e financiadores procuram formas inovadoras e rentáveis para a organização dos cuidados integrados de saúde, centradas no paciente, baseadas em resultados, remuneradas por valor e com uso em massa de tecnologia da informação. Mas no Brasil, tanto no setor público quanto no privado, estas novas formas de gerenciar a área ainda estão engatinhando.
Antes da crise de 2014, a maior parcela do financiamento da saúde no Brasil (cerca de 40%) vinha do orçamento das famílias. Atualmente essa proporção pode ser muito maior, pois as necessidades de saúde tendem a ser inelásticas e as famílias tendem a pagar mais de seu próprio bolso quando os custos aumentam. Entre 2014 e 2017, os brasileiros ficaram em média 10% mais pobres. Havia esperança de que as reformas (trabalhista, previdenciária e tributária) trouxessem de volta o crescimento, mas elas foram adiadas e a crise se perpetuou. Na ausência de reformas necessárias, a crise reduziu o gasto público federal em saúde entre 2014 e 2016, mas houve uma recuperação em 2017, ainda que os gastos estaduais possam ter sido mais afetados negativamente.
A crise teve seu fundo do poço entre 2014 e 2017 e, com isso, empurrou muita gente da saúde suplementar para o SUS. Entre agosto de 2014 e dezembro de 2017, o número de beneficiários de planos de assistência médica caiu de 50,3 para 47,2 milhões (uma perda líquida de 3,1 milhões) e, até novembro de 2018, o número de segurados ficou praticamente estável.
Tanto o SUS quanto a saúde suplementar enfrentam problemas associados à baixa eficiência do setor. Para reverter esse quadro, seriam necessárias importantes reformas. No caso do SUS, por exemplo, recente estudo do Banco Mundial demonstrou que pelo menos R$ 22 bilhões foram perdidos em 2013 pela ineficiência do sistema público. Muitos são os fatores que causam este cenário de ineficiências. Entre eles estão, sem dúvida, a corrupção, a má gestão, bem como o mau uso e alocação dos recursos existentes.
Porém, as principais fontes de ineficiência são resultado de problemas sistêmicos, de como o sistema está estruturado e de como funciona, e requerem mudanças nas formas de gestão, financiamento e organização da atenção à saúde. Atualmente existe pouca coordenação entre os níveis de atenção. A fragmentação da rede do SUS resulta em duplicação de serviços e excesso de capacidade, além de perda de economias de escala e custos operacionais mais altos. Para superar esses desafios, o SUS necessita urgentemente de reformas estratégicas que resolvam os problemas atuais, como a baixa qualidade da atenção e as ineficiências, ao mesmo tempo em que previnam futuros riscos trazidos pelo envelhecimento da população e pela crescente carga das doenças crônicas.
Estas reformas não são somente associadas ao SUS e podem ser realizadas também no âmbito da saúde suplementar. Entre elas estão a racionalização da oferta e a melhoria da gestão dos serviços ambulatoriais e hospitalares para maximizar escala, qualidade e eficiência; melhor integração e coordenação dos cuidados pela implantação de redes integradas de atenção à saúde; melhoria na qualidade e composição das equipes de recursos humanos; e mudanças nos fluxos de financiamento, redirecionando recursos da atenção hospitalar e ambulatorial para a atenção primária. É necessário, sobretudo, introduzir sistemas de pagamento de pessoal por desempenho e mudar os sistemas de pagamento a provedores atuais, baseados em volume, para novos modelos de remuneração baseados em valor e resultados.
As reformas propostas no setor Saúde não necessitam de grandes investimentos físicos, mas, sim, de inteligência, ousadia, negociação entre os atores, organização e gestão, podendo ser realizadas, no setor público, num contexto de ajuste fiscal e, na saúde suplementar, num contexto de racionalização e redefinição dos incentivos existentes no setor. Poderão ser realizadas, portanto, ainda num período no qual a economia se recupera, ganhando força para gerar frutos ainda maiores quando o país voltar a ter um saudável nível de crescimento econômico.
André C. Medici é economista de saúde com mais de 30 anos de experiência no Brasil e 20 anos de experiência internacional em temas associados a economia e financiamento da saúde, pesquisa, desenho e negociação de políticas e reformas de saúde em países em desenvolvimento. É editor do blog Monitor de Saúde (www.monitordesaude.blogspot.com)
Conteúdo originalmente publicado na Revista Hospitais Brasil edição 95, de janeiro/fevereiro de 2019. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-95-revista-hospitais-brasil