Artigo – O desafio no combate à Obesidade Mórbida Infantil

O Brasil passou por um fenômeno interessante nos últimos 50 anos em se tratando de nutrição infantil. O país saiu de um quadro onde a desnutrição era o maior desafio familiar para um momento em que o excesso de peso extrapola aquela antiga associação de crianças gordinhas à saúde e se junta ao cenário pandêmico mundial da Obesidade Infantil.

Em combate a esse desafio da atualidade, celebra-se no dia 3 de junho o Dia da Conscientização Contra a Obesidade Mórbida Infantil com intuito de trazer atenção e conscientização da sociedade para esse alerta, promover diálogo e visibilidade sobre a relevância e o impacto dos hábitos de vida na saúde dos pequenos.

A obesidade infantil é considerada um dos maiores problemas de saúde pública pediátrica, afetando cerca de 224 milhões de crianças em idade escolar em todo o mundo, só no Brasil estima-se que quase 7 milhões de crianças apresentam excesso de peso e segundo o Ministério da Saúde viu-se que uma em cada 10 crianças brasileiras de até 5 anos está com o peso acima do ideal: são 7% com sobrepeso e 3% já com obesidade. As tendências pós anos 2000 previram um mundo onde, pela primeira vez, haveria mais crianças e adolescentes obesos do que com baixo peso.

A obesidade é uma condição complexa, multifatorial e pró-inflamatória que está associada à uma combinação de fatores incluindo a exposição das crianças a um ambiente que estimula a ingestão de alimentos densamente calóricos, o sedentarismo, o excesso de telas e suas respostas biológicas a esse ambiente. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) sua prevalência é crescente e se atribuí a fatores políticos, econômicos, sociais, culturais, genéticos, ambientais e comportamentais.

Antigamente, a obesidade era um problema quase que exclusivamente de adultos, mas aos poucos foi se estendendo a faixas de idades cada vez menores, chegando hoje inclusive a acometer gravemente crianças menores de 5 anos. A partir dessa informação é possível fazer uma previsão sobre os adultos do futuro, pois atualmente as doenças advindas da obesidade já atingem crianças cada vez mais novas apontando para perspectivas de adultos mais doentes. Inclusive, a Sociedade Brasileira de Pediatria relembrou uma previsão sombria da OMS, que antevê que em 2030, o Brasil pode ser o quinto país com o maior número de crianças e adolescentes obesos. Se nada for feito, a possibilidade de reverter a projeção é de somente 2%.

De acordo com o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil recente, 80% das crianças brasileiras de até 5 anos consomem alimentos ultraprocessados, como bolachas recheadas, o que também é observado entre bebês com menos de 2 anos.

PRIMEIRA INFÂNCIA

Um momento muito determinante para essa situação é a gestação, pois já é sabido que a nutrição inadequada da mãe e o excesso de peso já influenciam o perfil alimentar do neném que ainda nem nasceu. Outro problema identificado pelos especialistas é a desobservância e descumprimento da exclusividade do aleitamento materno até os seis meses de idade, inserindo a criança no ambiente de alimentação não saudável mesmo antes dela estar apta a comer e introduzindo industrializados e ultraprocessados já durante os primeiros meses de vida. É importante a família se atentar, pois, apesar de alimentos ultraprocessados apresentarem maior durabilidade, eles não devem fazer parte da rotina alimentar uma vez que apresentam elevadas quantidades de açúcar, sal, gordura trans e aditivos químicos que podem ser prejudiciais à saúde.

Já está mais que comprovado que o consumo regular de ultraprocessados (sorvete, suco de caixinha, biscoitos recheados, macarrão instantâneo, achocolatados, bolos industrializados, embutidos etc.) é uma das fortes razões do ganho de peso excessivo na infância e essa tendência de consumo é o reflexo do impacto do marketing e políticas permissivas sobre alimentação infantil.

Na prática, para uma melhor visualização e entendimento dos pais temos que uma criança que tem seu peso 25% maior que o desejável para sua idade, já apresenta sobrepeso, que é um primeiro alerta para a obesidade. Quando o peso está 30% acima, ela já é considerada obesa. Ambas as condições podem favorecer a doenças como diabetes, hipertensão, hipercolesterolemia, depressão, câncer e doenças cardiovasculares. O aumento de peso entre os pequenos hoje resultará em um aumento significativo no futuro nos custos da saúde.

A pandemia da Covid-19 também agravou a situação quando causou uma interrupção abrupta e significativa na rotina das crianças, aumentou o sedentarismo e teve impacto negativo na saúde mental e bem-estar, pois, sem espaço para gastar energia propiciou ambiente ideal para ter tempo de folga com os eletrônicos e suas estratégia agressivas de marketing.

DECISÃO

A partir daqui, é necessário pôr em prática ações que favoreçam a melhora desse quadro e pensando nisso o primeiro passo é identificar que a criança está acima do peso. Essa é a maior dificuldade dos pais ou responsáveis, pois normalmente, identificam apenas quando as crianças já estão muito obesas ou já apresentam doenças advindas do excesso de peso. Os adultos tendem a não dar tanta atenção ao fato de a criança estar gordinha até que isso vire um problema grave de saúde.

A família como um todo precisa mudar hábitos pois a criança repete o que ela vê os adultos a sua volta fazendo, então se todos se sentam a mesa, sem telas, com alimentos saudáveis, se é um momento tranquilo e bom a criança replicará esse comportamento e desenvolverá uma relação melhor com a comida. Isso inclusive está no guia alimentar para a população brasileira, que orienta comer com atenção em ambiente tranquilo e sempre que possível em companhia. Além disso, criança precisa ter rotina. A rotina é uma segurança para a criança e permite que ela se desenvolva melhor num ambiente seguro, onde ela está ciente das atividades que vão acontecer no dia da família, incluindo seu momento de brincar, de estudar, de comer, de dormir, gerando menos tensão e estresse na hora de concluir as tarefas.

Uma última dica seria incluir a criança já desde bem pequena nas compras da feira e na produção da alimentação, dando oportunidade para que ela conheça e escolhas os vegetais, frutas, legumes, hortaliças que vão compor o cardápio da semana.

As estratégias preventivas provaram ser a intervenção de saúde pública mais eficaz para conter esta pandemia. Uma abordagem multidisciplinar envolvendo modificação da dieta e implementação de um estilo de vida saudável, incluindo atividade física regular, minimizando o tempo de tela e intervenções comportamentais, foi considerada a mais benéfica na prevenção da obesidade.

O envolvimento da família, escola e comunidade é importante para resultados de longo prazo, assim como o envolvimento do governo no desenvolvimento de políticas que ajudem a criar um ambiente e oportunidades para alimentação saudável e atividade física. Não devemos relaxar nossa vigilância, e formuladores de políticas e especialistas devem prestar mais atenção ao monitoramento e prevenção da obesidade mórbida em crianças e adolescentes nas próximas décadas.

 

 

 

Karla Lacerda é nutricionista, pós-graduada em Nutrição Funcional e CEO da CalcLab, plataforma que faz leitura diagnóstica de exames laboratoriais

Redação

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