Proteína é capaz de capturar metais livres relacionados a doenças neurodegenerativas

Um estudo do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), em parceria com a Universidade de Nanjing, China, descreveu pela primeira vez, em detalhes, o funcionamento da metalotioneína humana, uma proteína responsável pelo controle da concentração de metais no organismo. Os pesquisadores descobriram que ela é capaz de capturar metais livres, associados a doenças neurodegenerativas. Publicada na nova revista Research, parceira da Science, a pesquisa uniu técnicas de microscopia de força atômica e simulações moleculares por supercomputação para identificar como as ligações entre a proteína e os metais são estabelecidas e quebradas.

Os cientistas constataram que a metalotioneína é altamente dinâmica, quase “líquida”: não apresenta uma estrutura fixa e muda constantemente de acordo com as ligações químicas com os metais, que são de baixa estabilidade, quebram e reformam facilmente. “Materiais contendo metais são duros e estáveis do ponto de vista macroscópico, mas microscopicamente mostramos que podem ser extremamente flexíveis. A metalotioneína seria o mais próximo que existe no mundo biológico de algo como o personagem de metal líquido do filme Exterminador do Futuro 2, por exemplo”, afirma Guilherme Menegon Arantes, professor do IQ-USP e um dos coordenadores do estudo.

A metalotioneína ajuda a regular a concentração dos metais no organismo, denominada homeostase. Quando estão livres no corpo, os metais – até mesmo os naturais e essenciais – podem se tornar tóxicos, causando reações danosas. “Nós mostramos que a proteína é capaz de encapsular os metais, protegendo-os de terem reações adversas”, diz Arantes. No entanto, alguns metais que desempenham funções importantes, como o ferro e o zinco, precisam ser utilizados por outras proteínas. “Por isso, as ligações são frágeis: para que a metalotioneína possa transportar e liberar os metais no momento certo para exercerem as suas atividades”, completa.

Metais como zinco, cobre e ferro já foram relacionados por outros estudos a doenças neurodegenerativas. Isso porque os metais livres nos neurônios podem induzir algumas proteínas a se complexarem, impedindo-as de realizarem as suas funções corretamente. “Essa complexação leva à produção de placas amiloides – depósitos de fragmentos de proteínas beta-amiloides, que são tóxicas para os neurônios. Essas placas são assinaturas de várias doenças neurológicas, como Alzheimer e Parkinson”, explica o pesquisador.

Outro problema decorrente de metais livres envolve o metabolismo energético. Os metais pesados podem atrapalhar o funcionamento da mitocôndria, organela responsável por gerar energia para os processos metabólicos. “A presença desses metais aumenta a produção de radicais livres, que podem fazer reações em cadeia, não controladas, e lesar as células”.

Múltiplas ligações – Os pesquisadores também descobriram que a proteína é capaz de se ligar a dezenas de metais diferentes – desde metais naturais essenciais para o organismo, como zinco, a metais pesados e tóxicos, como cádmio e mercúrio. Essas características foram observadas pelos pesquisadores chineses com a microscopia de força atômica, uma tecnologia que permite manipular uma única molécula com resolução atômica e verificar as suas propriedades mecânicas e físico-químicas. “Foi a primeira vez que os mecanismos de ação dessa proteína foram mostrados com esse nível de detalhamento”, destaca Arantes.

Segundo ele, o próximo passo foi identificar exatamente quais ligações estavam sendo formadas e quebradas. “Para isso, o meu grupo realizou simulações computacionais da metalotioneína e seus múltiplos metais ligados. Nós usamos o computador Santos Dumont, o maior instalado no Brasil”.

Internacionalização – O projeto foi possibilitado pelo financiamento da FAPESP (SPRINT) e pelo acordo de colaboração assinado entre o IQ-USP e a Universidade de Nanjing, sob coordenação de Guilherme Arantes. “A Universidade de Nanjing é uma das mais produtivas do mundo, especialmente na área de Química”, ressalta o professor.

Com duração de cinco anos, o acordo entre as instituições também inclui o intercâmbio de alunos e pesquisadores, ação que deve ser retomada após a pandemia.

Redação

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