O ano de 2019 foi marcado por fusões e aquisições no setor de saúde, reforma da previdência, as idas e vindas da regulamentação da telemedicina, entre outros tópicos que fizeram que fosse um ano positivo para o setor. Gilmara Espino, sócia-diretora da GPeS Health Branding & Business, centro de especialidades em marketing e comunicação em saúde, foi convidada pela Hospitalar para comentar os principais destaques da saúde brasileira. Durante a entrevista, a executiva ressalta a importância das aquisições e fusões ocorridas em 2019, comenta como os novos modelos e formatos advindos da tecnologia e de novas políticas interferem no setor, bem como as principais tendências e perspectivas para 2020.
Hospitalar: Avaliando a saúde em 2019, a quais pontos você daria mais destaque?
Gilmara Espino: O ano de 2019 foi repleto de fusões e aquisições no mercado de saúde privada, aquecido pela realização dos IPOs da Intermédica e Hapvida, que aconteceram no ano anterior. Já no setor público, houve a nomeação de um novo Ministro e a reformulação do Programa Mais Médicos. Infelizmente, alguns desafios assistenciais que já deveriam ter sido superados persistiram, como a dengue, o sarampo e a AIDS. Ainda há muito a fazer, mas considero 2019 um ano positivo para o setor.
H: Em 2019, houve recorde nas ações e aquisições de operadoras de hospitais, planos de saúde, clínicas ou laboratórios. Quais características do setor de saúde brasileiro influenciaram este número? São as mesmas que vão continuar fazendo a diferença em 2020?
GE: Uma combinação entre fatores sociais e econômicos (a indicação da estabilidade da economia, reforma da previdência e queda do desemprego) e fatores inerentes ao mercado de saúde, que se comprovou resiliente e atrativo, mesmo após a crise vivida pelo Brasil de 2010 a 2014. Além disso, o envelhecimento da população e espaço para novas tecnologias disruptivas faz com o que setor de saúde se mostre promissor para investimentos de longo prazo
H: Tivemos algumas idas e vindas na regulamentação da telemedicina. Por que isso acontece?
GE: A telemedicina, no que se entende como “o exercício da medicina mediado por tecnologias”, já é uma realidade no País para fins de educação, discussão de casos e laudos a distância. Isso desde que a interface aconteça entre médicos, e não diretamente entre um médico e o paciente, como seria na teleconsulta. Aliás, justamente a teleconsulta foi o grande dilema de 2019. O Conselho Federal de Medicina publicou e, logo em seguida, revogou a atualização da norma que regulamentava a prática. Na ocasião, instituições e profissionais alertaram para a necessidade de exame físico e do contato direto com o paciente.
Entretanto, essa não é a única preocupação sobre a regulamentação da telemedicina no Brasil, ou melhor, da telessaúde, em seu sentido mais amplo. Especialistas ainda discutem como garantir a segurança das informações pessoais, a interoperabilidade de dados e a qualidade da assistência à distância.
H: E por que, mesmo com toda a incerteza em relação à regulamentação, os investimentos na área não pararam?
GE: Porque é inevitável. Já estamos nos direcionando para um sistema mais integrado e eficiente. Somos um país com dimensões geográficas continentais e, por isso, mais dificuldades de acesso. Novas tecnologias têm surgido para resolver questões de segurança da informação e até mesmo o Governo Federal já sinaliza que o futuro da saúde está no prontuário integrado de cada paciente e no compartilhamento de informações. Não há volta para a revolução que a saúde digital fará em todo o mundo.
H: O novo modelo de financiamento da Atenção Primária à Saúde (APS) entrou recentemente em vigor. Quais são os benefícios desse modelo?
GE: Na medida que atrela o repasse do recurso federal ao cadastro individual no e-SUS, o Governo sinaliza para um sistema que incentiva as equipes de Saúde da Família, o acesso à informação e o fortalecimento do uso de indicadores no planejamento e na gestão. Isso pode ser positivo, mas é necessário acompanhar essa evolução, pois o método é ainda bastante novo para os municípios.
H: A humanização é um tema que vai continuar em alta?
GE: A Internet empoderou as pessoas, que se tornaram indivíduos mais conscientes sobre seus direitos e mais habilitados a comparar e a escolher os serviços mais adequados às suas necessidades. Para um serviço de saúde ser sustentável, o foco será o paciente. Refiro-me ao cuidado integrado, com o paciente no centro das decisões e sendo respeitado e valorizado em sua individualidade. A “humanização” faz parte disso. É um conceito indissociável da boa prática assistencial.
H: As salas de descompressão para enfermeiros e técnicos de enfermagem já são realidade na lei. Como as instituições de saúde estão vendo esta questão?
GE: Elas estão muito atentas ao esgotamento físico e estresse que profissionais como médicos e enfermeiros enfrentam em suas rotinas de trabalho. Descansar adequadamente, como objetiva a regulamentação das salas de descompressão em hospitais, é um reflexo dessa preocupação e, também, uma tentativa de reduzir os efeitos da síndrome de burnout nas equipes.
H: Quais são as principais tendências do setor para este ano?
GE: A “Medicina Baseada em Valor” foi o grande debate em 2019, com apresentação dos resultados que já estão sendo percebidos em projetos pontuais. Neste ano, continuaremos discutindo e testando novas formas de remunerar os prestadores de forma mais justa e eficiente, privilegiando o que for mais resolutivo para o sistema. Acredito que veremos mais comunicação dirigida à educação sobre como usar o sistema sem desequilibrá-lo financeiramente. Essa é uma grande oportunidade para os melhores se destacarem.
H: Como as instituições de saúde podem se adaptar, estruturalmente, para não ficarem para trás nesse processo?
GE: A busca por eficiência passa por todos os aspectos, incluindo a forma como instituições de saúde planejam seus fluxos, processos, expansão e reformas. Construções mais inteligentes serão pensadas com base no perfil epidemiológico e demográfico dos pacientes que as utilizarão. Ou seja, espaços planejados de acordo com a doença a ser tratada, a faixa etária dos pacientes e suas condições de autonomia, por exemplo. A automação de ambientes e a redução da interação humana no que não for essencialmente relacionado à assistência tende a crescer em instituições de saúde.
Por sua vez, a conectividade, que já é uma realidade, vai ganhar ainda mais valor, permitindo que a gestão administrativa e o diagnóstico sejam descentralizados. Esses são exemplos de como as instituições de saúde encontrarão mais eficiência operacional por área construída.
Fonte: Hospitalar by Informa Markets